Nigel Amon - Cubisme Africain

Nigel Amon   -   Cubisme Africain

10 de abr. de 2012

Jornal "Cidade de Barbacena" - 1967


Trova premiada no Concurso “Editora Revista Guia Rex”, Guanabara,

Oferecida às mães de Antônio Carlos e às mães de Barbacena, cidade de muito gratas recordações, onde fiz o Curso Normal no Colégio Imaculada Conceição.

Hilda Ribeiro Bastos Coelho
Belo Horizonte, 29 de abril de 1967

“MAMÃE, EU TE VEJO AINDA
CUMPRINDO A SUA MISSÃO:
OLHAR DE TERNURA INFINDA
MAS... O CHINELO NA MÃO.”

Também canto a minha terra...
(Homenagem á cidade de Antônio Carlos, ex-Sítio)



Tenho saudades de ti
Minha terra pequenina
Onde canta o bentevi
Na verdejante campina

Minha terra doce e linda
Gosto de ti de verdade,
Mas gostava mais ainda
Quando não era cidade.

Eras um Sítio formoso
Estendido na colina,
De vergel ameno e umbroso,
O meu berço de menina.

Nem praça, nem avenida
Ruas compridas e tortas;
Alguns becos sem saída
E o luar nas horas mortas.

E por falar em luar...
Meu primeiro namorado,
Aquilo que era gostar
Sem malicia, sem pecado.

Trocando juras “eternas”
Que se foram com o vento,
Lembranças puras e ternas
Tão vivas nêste momento.

Tão vivas como estas outras
Que recordo com saudade:
O amanhecer nebuloso
E o róseo cair da tarde.

A casa branca do outeiro.
Lá em baixo o Bandeirinhas,
Murmurando o dia inteiro
Umas tristes ladainhas.

A casa branca, branquinha
Onde feliz eu vivi,
Com minha boa mãezinha
Que cedo ainda perdi.

A ponte nova cortando
O rio, formava um arco.
E o pontilhão namorando
As saracuras do charco.

O trem de ferro apitando
Nas longas noites sem fim...
E aquele apito ecoando
Saudoso, dentro de mim.

A rua Henrique Diniz
Que por ser a principal,
Era o centro da atração,
O ponto comercial.

A loja do Pedro Turco.
Uma vez morreu Tobias...
Todos nós vestimos luto,
A loja fechou uns dias.

O padeiro Tolonelli,
Acreditem no que digo:
Fabricava uns pãezinhos
Feitos somente de trigo!

A Farmácia do Levindo,
A casa do Delegado:
Seu Onofre e Dona Júlia,
Um casal bem ajustado.

Dona Júlia apresentava
No lindo mês de Natal,
Um presépio que eu jurava
No mundo não ter igual.

Mas além à ponte Sêca
A ponte dos namorados,
Em que os beijos de amor
Tinham encontros marcados.

Em frente a ponte ficava
A casa do Padre-Cura,
Que a todos abençoava
Com portuguêsa ternura...

Em baixo a barbearia,
Ao lado o relojoeiro.
Meu relógio é a saudade,
Marca a hora sem ponteiro...

O seu Antônio Amorim
(Era público e notório)
Amarava os corações
Nos livros de seu cartório.

Quando a criança nascia
Tomava conhecimento,
Passando com alegria
Certidão de nascimento.

Qualquer negócio de imóvel
Depressa se procurava
O prestimoso escrivão
Que a escritura lavrara.

O armazém do seu Pereira
Homem bom, trabalhador,
Feliz família mineira
Com seu Franklin, orador.

Zé Rettori tinha um bar
Num quiosque de madeira.
Vendia água mineral
E uma pinga de primeira!

O gabinete dentário
Do seu machado, dentista
Especialista em “sorrisos”
Tanto à prazo quanto à vista.

O açougue junto ao cinema
Tinha bela freguesia.
Hum mil reis de chá de dentro
Punha na mesa, alegria.

As duas escolas públicas,
Uma nova e outra antiga.
A líder das professoras:
Dona Izaura, muito amiga.

As velhas mestras queridas
Tereza, Sinhá e Florentina;
Eu não posso ouvidar;
De escola particular.

A minha primeira mestra
Dona Diná, é bom lembrar;
Ensinou-me a usar a dextra
Para o meu nome traçar.

A Escola “Lima Duarte”
Com carinhoso cuidado,
Encaminhava o menor
Inclusive o abandonado.

O armazém do Zé Maria
Português muito educado,
Com distinta família
Residindo no sobrado.

E por pouco que me esqueço
Da loja do Barateiro
Rival da do seu Silvestre,
Ambas ganhando dinheiro.

Quase em frente da porteira
O Mansur tinha uma venda
E mais a diante a Biquinha
A correr envôlta em lenda.

A Tercina vendia mel
E também era doceira!
Nas bôdas e batizados
Ela era a banqueteira.

Quando eu voltava da escola
Parava para apreciar
Seu Juca bater o malho
Para o ferro trabalhar.

Bate o malho da saudade
No meu peito o dia inteiro,
Trabalhando o coração
Tal qual o Juca ferreiro...

O Cortume do Seu Pacheco
Numa várzea, aparecia
Com seus tijolos a vista,
Numa perfeita harmonia.

Na beleza da paisagem
Que dali descortinava,
Beleza um tanto selvagem
Que um sol de fogo crestava.

Pito acêso, Rua de cima,
Bairro pobre, meninada.
A ciranda, cirandinha
Em rodas pela calçada.

“O anel que tu me deste”...
Na distância, a voz perdida
O soar nos meus ouvidos.
Minha infância tão querida!

No Cruzeiro ardiam velas.
Promessas e devoção.
E lá no céu muito belas,
Estrelas em profusão.

Ao longe, num monte, avinha
Qual uma garça, se via
A nossa velha Igrejinha
Da Santa Mãe de Maria.

No mês de maio as novenas,
Os amôres em comêço...
As tardes frias e serenas.
São coisas que não me esqueço.

Ó quem me dera voltar
Àquela bendita hora
Em que, de branco vestida,
Coroei Nossa Senhora...

Ai! As festas de Sant’Ana.
Ao raiar da madrugada,
Passava a Banda Tocando
Tradicional alvorada.

Depois da missa cantada,
Que beleza de sermão!
E pela tarde dourada
Começava a procissão

O povo formando alas,
O rosário, as ladainhas,
As ruas embandeiradas,
O leilão nas barraquinhas...

Viva a Senhora Sant’Ana!
Homenagem presto aqui,
À querida padroeira
Do lugar em que nasci.

O Carnaval na estação,
As batalhas de confeti
Em frente ao Hotel Andrade,
A gente pintava o sete!

“O pé de anjo, o pó de anjo”...
Que alegre recordação.
A saúde tem pé grande,
Pisa no meu coração.

O jogo de futebol,
O Casaca e o Natalino;
A torcida organizada,
Juro por Deus, era o fino!

À noite havia o cinema
Sempre muito concorrido;
Fita em série às quartas-feira,
Um programa divertido.

Pola Negri, Clara Bow,
Saudade não se define.
Ai! O tempo que passou...
Ramon, Francisca Bertini...

Assíduo frequentador
Da série “O homem de aço”,
Com seus noventa janeiros
Mas sem demonstrar cansaço,

O major Andrade chegava
 Ao cinema e bem na frente
Còmodamente sentava
A sorrir, muito contente.

Vejo a querida Dedé
Com seu jeitinho brejeiro,
Contando ao piano a canção:
“O meu lindo jangadeiro”.

Os nossos belos teatrinhos
Deram muito o que falar,
Em favor da Igreja nova
Que se ia edificar.

Ter seus tipos populares
É na terra tradição
Pois fazem falta à paisagem
E também ao coração.

Sítio não fugira a regra,
Nem eu a recordação;
Malaquias – o carteiro
E seu Joaquim Valentão.

Rita doida com mania
De tecer sem descansar,
Na roda da fantasia
Tirando os fios do ar.

Nas manhãs clara de sol
Com seus cêstos, nas madamas,
Ofereciam nas portas
Uvas, caquis e bananas,

Cadeiras toscas, de palha
(valem hoje um dinheirão!)
Ovos fresquinhos, galinhas
E ameixas do Japão.

Fazia gosto de vê-las
Quando desciam da serra,
Trazendo no olhar dolente
A nostalgia da terra.

Compridas saias rodadas
À maneira Italiana,
Lenço cruzado no peito,
Presente toda a semana.

É oportuno relembrar
Um tipo bem brasileiro
Pioneiro no lugar:
- Joaquim Antônio Ribeiro.

Meu pai não tinha instrução
Porém era um cavalheiro.
Tangendo alegre a boiada,
Velho Quincas Boiadeiro!

Os boiadeiros chegando
Para pesar as boiadas
E cincerros bimbalhando
Nas tropas pelas estradas...

Gente boa a do lugar!
A melhor sociedade,
Aqui a vejo passar
Nas asas desta saudade:

Os Andrade, os Diniz,
Os Fagundes, os Amorim,
Os Silva Paes, os Pacheco,
Os Campos e os Jardim;

Os Rettori, os Resende,
Os Aragão, os Machado,
E tantas outras famílias
Que ficaram no passado.

As moças de minha terra!
Leiga, Inezinha, Inimá,
Laura, Hortenila, Lulu,
Marieta, Totonia, Inah;

Irmã Rosa, Conceição,
Jurema, Jacy, Jupira,
Zizinha, Nenem, Tereza,
Alayde, Nana, Elvira;

As meninas do Ivo, a Rôla,
Elisa, Adolfina, Stela,
Aíde, Lulude, Rita.
Cada qual era mais bela!

A bonita serenata
Despertando a bem amada,
Sob uma chuva de prata
Do luar sua a alçada

O pequeno cemitério
Onde quero repousar,
Quando a morte, num cautério,
Minhas feridas curar.

Meu sitio de macieiras,
De laranjeiras em flor,
De côr de rosa paineiras
E do meu primeiro amor!

Antônio Carlos, meu Sítio,
Minha terra, meu lugar,
Enquanto vida eu tiver
Ei de em versos te cantar!
                                                            (na íntegra)