Pesquisando sobre
o grande terremoto de Lisboa, em 1755, encontrei uma matéria sobre a Exposição
de João Glama Stöberle, intitulada Anatomia de um Quadro, no Museu
Nacional de Arte Antiga de Lisboa. Lá, o quadro O Terramoto de 1755,
[A importância
dessa pintura ultrapassa-a. O terramoto de 1755 uma catástrofe que destruiu
Lisboa ecoou por toda a Europa com enormes repercussões no mundo filosófico,
científico e político. Aconteceu numa época de grandes transformações sociais
quando o iluminismo e o capitalismo lançavam as bases das sociedades modernas
nalguns países da Europa Ocidental.
Os primeiros
embates em Portugal foram entre os jesuítas e o Marquês de Pombal. Os jesuítas
dominavam o país espiritual e temporalmente. Controlavam o ensino, opondo-se às
reformas do marquês que introduziam a investigação experimental e as ciências
da natureza de acordo com os padrões científicos mais avançados na Europa.
Tinham um imenso poder económico, sobretudo no Brasil, em que se subtraíam aos
impostos do Estado. O terramoto abriu um campo de batalha privilegiado. O
jesuíta Malagrida escreveu um panfleto “Juízo da Verdadeira Causa do
Terramoto” em que atribuía a catástrofe a um castigo de Deus pelas
políticas do reino, ameaçando quem não contribuísse generosamente para os
cofres religiosos com novos castigos divinos. Contrariava frontalmente o
Marquês de Pombal que tinha proclamado que o sismo era um fenómeno natural, não
tinha nada de religioso. O embate era sobretudo político, acabaria com a
expulsão dos jesuítas e o reforço dos poderes do marquês. No estrangeiro o
debate era sobretudo filosófico. Rousseau e Kant procuraram explicações
científicas para o sucedido, destruindo as especulações religiosas, os
significados supersticiosos. Voltaire no “Poema sobre o Desastre de
Lisboa” refuta as teorias de Poppe e Leibnitz de o
terramoto ser uma consequência inelutável da natureza humana submetida
à justiça de Deus. Em “Cândido ou o Optimismo” faz
desembarcar os protagonistas, Cândido e o seu mestre Dr. Pangloss, em Lisboa no
dia do terramoto. O jovem acredita que é o Dia do Juízo
Final, o mestre uma questão vulcânica. Uma alegoria sobre a
ingenuidade e a exploração da ingenuidade.
A pintura de João Glama é
uma obra inacabada depois de trinta e seis anos de trabalho. É
uma panorâmica de todas as catástrofes que destruíram Lisboa. Pessoas de
todas as condições sociais, abismam-se com o tremor de terra, os
incêndios, o maremoto. São mortos, moribundos, gente paralisada pelo terror
e que socorre os sobreviventes, chora os mortos num cenário de
ruínas.
O quadro restaurado por Teresa Serra e Moura,
técnica de conservação e restauro do MNAA, que dada a escassez das
figurações tem sido o mais utilizado para o representar o
terramoto, está em exposição na Sala do Tecto Pintado do museu,
apoiado num profundo e esclarecedor estudo de Alexandra Markl e Celina Bastos
que determinaram que o pintor se encontrava em Lisboa, na Igreja das Chagas
tendo fugido para um descampado onde está agora localizada a Associação
Nacional de Farmácias. Concluem as historiadoras, baseadas na muita
documentação consultada, que João Glama começou a pintar o quadro
imediatamente, quase sem desenhos preparatórios recuperando alguns
dos personagens de estudos muito anteriores, alguns feitos
quando estava em Roma. O propósito do pintor era “escrever” uma
narrativa feita de fragmentárias narrativas em que também participa.
Dar uma ideia “cinematográfica” do acontecimento num cenário de destruição e
desolamento que o tratamento das ruínas acentua. Em tantos anos de trabalho
Glama vai mudando perspectivas e personagens, como as análises de raio-X
revelaram. Provavelmente o impacto do terramoto em Portugal e no
mundo, conduzem-no a alterações que não sendo substantivas não
deixam de ser relevantes].