Na sexta-feira, 17 de
outubro, mais de 5 mil manifestantes da região do médio São Francisco
participaram do Ato Público em defesa do Rio, que aconteceu no município de Bom
Jesus da Lapa. O Ato, denominado “Meu Velho Chico, vamos lhe dar um gole
d’água”, foi iniciado no Centro do município e teve uma caminhada até a ponte
sobre o rio.
Antes, a largura média do
rio ao passar pela cidade era de 600 metros e hoje não passa de 150 metros de
uma margem à outra. Ao chegar à ponte, os manifestantes despejaram água, levada
em vasilhas, no leito do rio para simbolizar o desejo de ver o rio cheio
novamente.
O Ato, promovido por
diversas entidades ligas à Articulação Popular São Francisco Vivo (SFVivo),
denunciou a grave situação em que o rio se encontra com o nível de água mais
baixo já visto e com a sua principal nascente seca.
De acordo com Samuel Britto, da SFVivo, o objetivo das manifestações é
“sensibilizar os brasileiros para a necessidade de medidas urgentes que
contenham sua devastação total do Rio”,
Bom Jesus da
Lapa, 17 de outubro de 2014.
Carta aberta a Sociedade e às Autoridades
São
Francisco: um rio que agoniza e depende de nós!
Meu rio de
São Francisco, nesta grande turvação,
vim te dar um
gole d'água e pedir tua benção!-Frei Luiz Cappio
Nós, mulheres, homens, jovens e
crianças, Ribeirinhos, Pescadores, Estudantes, Educadores, Comerciantes,
Agricultores Familiares, Quilombolas, Geraizeiros, de Paróquias, Movimentos
Sociais, Organizações Populares, Entidades da Sociedade Civil, Religiosas,
dentre outros, reunidos em Ato Público em Bom Jesus da Lapa-BA, às margens do
rio São Francisco, apresentamos à sociedade e às autoridades nossa indignação e
nosso repúdio veementes ao descaso do Estado Brasileiro com a situação do Rio
São Francisco, maior rio inteiramente brasileiro, chamado da “Integração
Nacional”, do qual dependem 16 milhões de pessoas em sua Bacia Hidrográfica.
Viemos com o gesto simbólico de oferecer-lhe “um gole d’água”, um refrigério,
um desejo de revigoramento, sinal de reconhecimento de sua fragilidade atual, protesto
em favor de seu socorro e comprometimento com sua revitalização. Não se trata
de “jogar água fora”, mas de nos mobilizar para a defesa do nosso Rio e
exigi-la das esferas municipais, estaduais e federal do Estado.
A
água é o elemento básico das células que constituem os seres vivos, a matéria fundamental
existente na terra, que juntamente com o sol, o solo e as plantas são responsáveis
pela vida no planeta Terra. Do útero materno à decomposição do corpo, somos
água, e ela perpassa toda a nossa existência - beber, respirar, lavar, comer,
banhar, purificar. Seres humanos, do húmus da terra, dotados de consciência,
nos damos conta da destruição que vimos fazendo em nosso habitat, do que cada
um de nós possui sua parcela de responsabilidade, uns mais, os mais poderosos,
outros menos, mas todos. Daí a necessidade de fazermos o caminho de volta aos
elementos primordiais da vida e reestabelecer com eles um pacto de
sustentabilidade, o que exige repensar a importância fundamental da água, fonte
de nossas vidas e de toda vida no planeta.
Manancial
maior e mais importante para nós, o Rio São Francisco agoniza. A estiagem apenas
agrava e revela seu estado degradante. As ações que o degradam ao longo da
Bacia vão dos descuidos com o uso da água em nossos lares até os grandes
projetos do capital que retiram enormes quantidades de água de sua calha e de
seus afluentes. O desmatamento, a irrigação, as queimadas, a destruição das
nascentes, a abertura de poços de grande vazão, as barragens, a mineração, os
agrotóxicos, os esgotos domésticos, agrícolas e industriais, as transposições
hídricas e os perímetros irrigados, usos indiscriminados e sobrepostos, em avanço
desordenado, estão poluindo, assoreando, erodindo, devastando os bens naturais
e culturais que compõem o complexo ecossistêmico que é o Rio São Francisco.
Tais desmandos impactam sobremaneira nossas vidas, de nós que desperdiçamos
água, que não cobramos dos representantes políticos, que a tudo assistimos
calados, omissos, ensurdecidos pelo canto sedutor do capital com as migalhas
que sobram dos negócios lucrativos à custa da vida desta dádiva única e
preciosa que é o Rio São Francisco. O resultado está aí, assustador, o rio secando!
Poetas ribeirinhos, não é de hoje, cantam a morte do Velho Chico. João Filho
diz: “Chico tá tão raso que até traíra tá atolando, lavadeira sumiu... compadre
d`água tá rejeitando até oferenda”. Paulo Araújo canta: “Há um rio se afogando
em mim, secando, secando, esperando o fim”. Mas parece que nem poesia e música
nos sensibilizam e nos mobilizam o suficiente...
A
morte já menos lenta do rio é visível e está expressa na baixa vazão e no
imensurável processo de assoreamento. São gotas de resistência neste oceano de
degradação este nosso Ato Público e a recente proposta de Moratória para o Rio
São Francisco construída pela Articulação Popular São Francisco Vivo Possam ser
instrumentos de sensibilização da sociedade para uma opinião pública que
pressione, cobre e influencie os programas oficiais de revitalização sob responsabilidade
do poder público. Dados recentemente publicados dão conta de que os recursos
para a revitalização foram reduzidos em 70 % desde 2011, enquanto que os investimentos
para a Transposição aumentaram 47 % desde 2012, saltando de R$ 703 milhões para
R$ 1,035 milhões no mesmo período.
Em
multidão nas ruas e praças de Bom Jesus da Lapa, centro cultural e espiritual
do povo ribeirinho, exigimos que sejam tomadas estas medidas urgentes: fim do
desmatamento, das queimadas e carvoarias, em especial nas áreas de recarga dos
Cerrados; recomposição das matas ciliares e das nascentes e veredas; viveiros e
distribuição de mudas nativas; dragagem do rio nos trechos mais críticos;
contenção de encostas; educação ambiental contextualizada e crítica; suspensão
das outorgas e fiscalização das existentes, bem como dos licenciamentos de grandes
e médios projetos na Bacia (Moratória), e estudos sérios e isentos sobre a real
situação dos aquíferos. Para isso é necessária a participação organizada,
ativa, vigilante e permanente da sociedade, do Comitê de Bacia, das companhias
de energia CHESF e CEMIG e dos órgãos públicos responsáveis legais pela
preservação do Rio. Esta nossa luta não pode mais esperar, dela depende a nossa
vida, a de nossos descendentes e do planeta, não temos o direito de negar a
vida àqueles que virão depois de nós.