Nigel Amon - Cubisme Africain

Nigel Amon   -   Cubisme Africain

11 de jan. de 2020

'A terra é o teu barco, não a tua morada' T.L.

coresterra.blog




"El crédito ha dejado de fluir libremente y ya no podemos
“comprar con dinero que no tenemos cosas que no necesitamos 
para impresionar a gente que no nos cae bien”,
Álex Rovira."


Durante décadas fomos incitados ao consumo, habilmente convencidos pelas artes publicitárias que aí residia a nossa felicidade.

Durante décadas deixámo-nos arrastar por um modo de vida cada vez mais alienante, apesar de cada vez mais conscientes de que esse modo de vida era ecologicamente insustentável. Agora, graças às trapalhadas da engenharia financeira, somos finalmente confrontados com uma realidade à qual não poderíamos fugir eternamente. 

Temos que aprender a viver com menos. Infelizmente para algumas pessoas essa adaptação está a ser cruelmente injusta. A não adaptação, a continuação da fuga para a frente, insistindo num modelo ecológico e socialmente insustentável, poderá ter consequências trágicas para todos. 

Viver com menos não significa necessariamente viver mal. Nem tão pouco voltar ao passado. Uma gestão adequada dos recursos existentes, uma clarificação das prioridades e das reais necessidades dos indivíduos e da sociedade, poderia proporcionar uma vida digna e confortável a todos. Provavelmente mais feliz. 

Poderia. Mas isso significa questionar todos os pressupostos atuais do modelo de desenvolvimento. Mais do que isso, dos objetivos de vida de cada um. Do conceito de felicidade. 


E terá que ser feito por todos. Estamos todos no mesmo barco. Partilhamos a mesma casa. A Terra pertence a todos, e estamos de tal forma interligados que não poderemos continuar a puxar o barco em direções opostas. Podemos estar perante uma destruição colectiva sem precedentes.


Seremos capazes?

5 de jan. de 2020

PRENDA

Ilustração: Vânia Medeiros
Eu era uma menina inquieta que sonhava
em ter os peitos grandes,
um homem belo para viver e amar,
um casal de filhos vibrantes
e um trabalho com que arar no mundo
qualquer tanto a mais de justiça.
O tempo meteu-me os peitos no colo
e disse, "toma, minha filha, é o que posso
te dar. O resto você vá inventando a ferro
e verso".

1


Um dia, um escorpião queria atravessar um rio. Porque é que queira atravessar o rio, ninguém sabe. Houve quem inventasse que era por curiosidade. As montanhas do outro lado pareciam-lhe imensamente mais interessantes que as planícies monótonas onde até então tinha arrastado a sua existência. As montanhas seriam um desafio. Um objetivo sem sentido, mas que seria um objetivo. E para quem não tem objetivos ou não reconheça imediatamente os que tem, qualquer objetivo parece bom. Mas há quem discorde. E tal discórdia não é inocente perante os factos que se seguem e que são do conhecimento geral, principalmente desde que a história foi contada num filme onde uma mulher foi nomeada para Óscar de melhor ator secundário. A história não é velha, mas é mais conhecida do que se fosse.

Há quem diga que o escorpião queria fugir de um incêndio. Portanto, e não tendo eu paciência para procurar mais razões que tenham levado a tão desmesurado desejo de ultrapassar um acidente geográfico, posso apenas
acrescentar que o escorpião podia, simplesmente, querer fazer o que fez a seguir. Mas não quero com isso chegar a qualquer conclusão sobre a natureza humana.

Querendo o escorpião atravessar o rio, pediu a uma rã que o ajudasse. A rã desconfiou, mas, pouco interessa qual o motivo, lá aceitou carregar com um bicho que, em princípio, jamais deixaria aproximar-se. O escorpião usou os seus dons de retórica ou aproveitou-se da inocência da rã. Na verdade, se tudo aconteceu por uma razão ou por outra é indiferente. Ou ambas as razões são uma só. Não interessa, por agora. As motivações pessoais contam pouco nesta história e, talvez tenha sido mesmo por isso que se tornou numa história que, mal tendo aparecido, logo pareceu que já existia há mais tempo, como aquelas músicas que, sendo ouvidas pela primeira vez, parecem já ter sido ouvidas noutro sítio.

Cada pessoa acredita saber a razão porque é que o escorpião queria atravessar o rio, da mesma maneira que acredita conhecer a razão que terá levado a rã a aceitar dar boleia, não a um estranho mas a um conhecido inimigo.

A verdade é que o escorpião, a meio do caminho, ferrou as costas da rã e deu cabo da vida aos dois. A rã envenenada, ele afogado. A rã ainda pergunta: mas porquê? E o escorpião diz que era a natureza dele.

E ficam as pessoas muito satisfeitas com a justificação. Gente má é má e pronto. O resto são histórias.
publicado por Manuel Anastácio às 07:11


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