14 de nov. de 2012
11 de nov. de 2012
Os Indispensáveis
Toulouse
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Depois que conhecemos Toulouse Lautrec ou Mozart e os transformamos em
referência obrigatória, pensamos que não saberíamos viver num mundo sem eles.
Mas saberíamos, sim. Um artista só é indispensável depois que é conhecido. Se
nunca ouvirmos falar nele (ou mesmo se ouvimos falar, mas de sua obra não escutamos
um pio), nossa vida corre mansa do mesmo jeito, sem um catabí a mais ou a
menos. Eu, por exemplo, vivo num mundo onde não existiram os poetas Anacreonte
e Alexander Pushkin, os romancistas William Faulkner e Leon Tolstoi,, os
cineastas Manoel de Oliveira e Satyajit Ray, os compositores Schoenberg e
Stockhausen. Sei que são indispensáveis para muita gente, e não discuto que o
sejam, mas minha vida transcorreu até agora dispensando-os, sem a menor
cerimônia. (Claro que não digo isso me gabando. É uma mera constatação de que a
arte é longa e a vida é breve, ou que a arte é uma semibreve e a vida é uma
semifusa).
Nunca li muitos autores que são indispensáveis à maioria da humanidade.
Para mim, são apenas nomes na lista cronológica dum almanaque. Do mesmo jeito,
conheço pessoas que vivem num mundo em que Augusto dos Anjos não existiu. Nunca
o leram, nunca se interessaram por ele, e viveriam igualmente bem se Augusto
tivesse morrido de escarlatina aos sete anos, sem ter escrito uma linha. Sinto
em calafrio de horror quando um amigo de infância me pergunta: “Quem é esse tal
de Philip K. Dick?”, e percebo que eu e ele vivemos em universos incompatíveis.
Conversar com estrangeiros, então, é um terror sem fim: gente que nunca ouviu
falar em Carlos Drummond, em Nelson Pereira dos Santos, em Mário de Andrade...
Um gremlin sertanejo e malicioso pousa agora no meu ombro, me cutucando pra que
diga: “Também é terrível conversar com cariocas ou paulistas, que fazem cara de
estranheza ao me ouvir falar em Manuel Xudu, em José Pacheco, em Colombita, em
Rogaciano Leite, em Delarme Monteiro...” Mas o gremlin recolhe as asas e cai
fora, encabulado, quando lhe explico que a imensa maioria dos nordestinos
também nunca ouviu falar nesses indispensáveis do nosso Panteão. Como dizia
Joyce: “Vê agora. Esteve ali todo o tempo sem ti: e existirá sempre, mundo sem
fim”.
Uma cultura
compartilhada aproxima pessoas com divergências pessoais ou políticas. O
nazista de um conto de Borges é admirador de Shakespeare e Beethoven, e isto de
certa forma o traz para mais perto de mim do que algum vizinho meu, com quem
cruzo no corredor, e que até hoje não deu a mínima para esses dois. Existem
pessoas na Terra que nunca ouviram falar nos Beatles ou em Sherlock Holmes. Que
planeta estranho deve ser esse que habitam.
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