Por puro acaso
estou naquilo que provavelmente está mais perto de o que eu poderia chamar a
minha terra.
Por puro acaso o
meu caminho cruzou-se com o de uma inauguração de uma linha eléctrica e uma
sub-estação.
Não por puro
acaso, o inagurador era o presidente do país.
Por puro acaso,
porque o presidente do país ia passar na principal estrada do país, a estrada
foi cortada mais que uma hora.
Por puro acaso
atrasou o meu caminho, o que seria o menos (estou em férias, perder uma hora ou
duas horas no trânsito, seja qual for a razão, não é relevante), mas atrasou
centenas de camiões e fez perder milhares de horas de trabalho.
Por puro acaso,
durante três horas, a cerimónia foi transmitida pela rádio nacional, que ia
ouvindo no meu trajecto, discurso a discurso, palavra a palavra, incluindo a
lista das ofertas ao presidente (não cheguei a ouvir o número de vacas, mas
lembro-me de 38 galinhas, não sei quantas couves, cabras e coisas que tal),
ofertas essas que são entendidas como bens pessoais e tratados como tal por
quem os recebe numa inauguração do Estado.
Presidente esse
que corta uma rua da cidade, onde vivem outras pessoas, para que ninguém passe
em frente à sua casa oficial sem ser autorizado e registado.
Presidente esse
que na outra ponta de cidade proíbe a passagem a pé no passeio do lado da rua
em que está a Presidência.
Não este
presidente, todos os presidentes anteriores procederam assim e esta é uma
pálida amostra da prepotência geral de quem detem a menor migalha de poder
nesta terra (por mais injusto que seja generalizar, é difícil não o fazer neste
caso).
Por puro acaso há
uma quantidade de gente que entende que a prioridade é contestar as estátuas de
Padre António Vieira, como método para resolver as injustiças históricas que se
abateram sobre estas pessoas que vivem aqui, ao meu lado, em vez de
simplesmente dizer que a forma como a autoridade é hoje exercida nestes países
é inacreditavelmente anacrónica, tenha ou não havido injustiças históricas
monumentais.