Nigel Amon - Cubisme Africain

Nigel Amon   -   Cubisme Africain

10 de dez. de 2017

Do outro lado do Atlântico

Por puro acaso  -  por henrique pereira dos santos, em 09.12.17

Por puro acaso estou naquilo que provavelmente está mais perto de o que eu poderia chamar a minha terra.
Por puro acaso o meu caminho cruzou-se com o de uma inauguração de uma linha eléctrica e uma sub-estação.
Não por puro acaso, o inagurador era o presidente do país.
Por puro acaso, porque o presidente do país ia passar na principal estrada do país, a estrada foi cortada mais que uma hora.
Por puro acaso atrasou o meu caminho, o que seria o menos (estou em férias, perder uma hora ou duas horas no trânsito, seja qual for a razão, não é relevante), mas atrasou centenas de camiões e fez perder milhares de horas de trabalho.
Por puro acaso, durante três horas, a cerimónia foi transmitida pela rádio nacional, que ia ouvindo no meu trajecto, discurso a discurso, palavra a palavra, incluindo a lista das ofertas ao presidente (não cheguei a ouvir o número de vacas, mas lembro-me de 38 galinhas, não sei quantas couves, cabras e coisas que tal), ofertas essas que são entendidas como bens pessoais e tratados como tal por quem os recebe numa inauguração do Estado.
Presidente esse que corta uma rua da cidade, onde vivem outras pessoas, para que ninguém passe em frente à sua casa oficial sem ser autorizado e registado.
Presidente esse que na outra ponta de cidade proíbe a passagem a pé no passeio do lado da rua em que está a Presidência.
Não este presidente, todos os presidentes anteriores procederam assim e esta é uma pálida amostra da prepotência geral de quem detem a menor migalha de poder nesta terra (por mais injusto que seja generalizar, é difícil não o fazer neste caso).
Por puro acaso há uma quantidade de gente que entende que a prioridade é contestar as estátuas de Padre António Vieira, como método para resolver as injustiças históricas que se abateram sobre estas pessoas que vivem aqui, ao meu lado, em vez de simplesmente dizer que a forma como a autoridade é hoje exercida nestes países é inacreditavelmente anacrónica, tenha ou não havido injustiças históricas monumentais.


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