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Décio Villares. Tiradentes, 1928 |
Dia 21 de abril é mais
conhecido como o dia da morte de Tiradentes, um importante herói
republicano que foi enforcado em 1792, cujo feriado é atribuído em sua
homenagem. Mas quais foram as razões da adoção de Tiradentes como herói
republicano?
Antes de respondermos essa pergunta é
preciso ter em mente qual o significado de um herói. Heróis são símbolos de identificação
coletiva, ou seja, são aquelas pessoas reconhecidas através de seus feitos, por
um país ou região, ocorrendo, entre eles, uma identificação. É possível pensar
em uma nação que não tenha heróis? Já adianto a resposta dizendo que não, pois
os heróis são fortes instrumentos para atingir a cabeça e o coração dos
cidadãos em prol da legitimação de um regime político, assim, não há
nação sem o seu respectivo herói.
Existem dois tipos de herói: aqueles
que surgem espontaneamente das lutas realizadas e aqueles de menor impacto
popular e que, portanto, tiveram um empurrãozinho para a promoção da figura.
É nesse último perfil que se encaixa o nosso herói Tiradentes.
Mas se o herói era republicano, por que
não eleger aqueles que fizeram parte do movimento da Proclamação? Em primeiro
lugar, podemos apontar o que já foi discutido no post sobre este
tema: os envolvidos foram uma pequena parcela da população, a maioria
simplesmente assistiu ao que estava acontecendo. Em segundo, Deodoro da
Fonseca, Benjamin Constant e Floriano Peixoto eram figuras
que sofriam lacunas no quesito herói, pois não tinham espírito de líder, ou não
tinham aparência física e comportamento carismático.
Pouco se sabe sobre a memória de
Tiradentes, pois a documentação é escassa. Sobre o dia do seu enforcamento
existem dois relatos que apontam a multidão presente em compaixão com o réu
prestes a morrer. O sentimento de que a pena fora excessiva e injusta se
alastrou pelas cidades vizinhas de Vila Rica. Além disso, a literatura
brasileira contribuiu também para divulgar o acontecimento. Castro Alves escrevera:
“Ei-lo, o gigante da praça,/ O Cristo da multidão!/ É Tiradentes quem passa…/
Deixem passar o Titão.”
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Pedro Amério. Tiradentes esquartejado, 1893. |
O primeiro conflito político envolvendo
a memória de Tiradentes ocorreu em 1862. Nesta data o governo queria
inaugurar no local onde fora enforcado Tiradentes, uma estátua de D. Pedro I,
que o condenara à morte. Na ocasião houve manifestação dos liberais com a
publicação de um folheto dizendo que Tiradentes foi o primeiro mártir que
morreu pela pátria e que foi responsável por levar o povo brasileiro à
“salvação”.
Outro episódio que contribuiu para a
construção da imagem de Tiradentes foi o que se sucedeu à publicação da obra de
Joaquim Norberto de Souza Silva, História da Conjuração Mineira. Norberto
teve acesso a documentos nunca antes estudados sobre a Inconfidência e
apontou Tiradentes como figura secundária no movimento. Essa revelação
inquietou as pessoas, principalmente os republicanos que chamaram Norberto de
monarquista convicto.
Independente da sua posição política o
que mais causou irritação foi ele ter discorrido sobre as transformações na
personalidade e no comportamento de Tiradentes durante o tempo em que este
ficou preso. Segundo Norberto, o isolamento, os repetidos interrogatórios e a
ação dos frades franciscanos fizeram com que o seu ardor patriótico se
transformasse em altar de sacrifício. Os republicanos protestaram, pois negavam
a idéia de que Tiradentes beijara as mãos e os pés do carrasco, que havia
caminhado até a forca com um crucifixo no peito, ou seja, negavam a idéia de
que Tiradentes tivesse perdido o seu impulso e rebeldia patriótica. Porém,
diminuir a sua importância dentro do movimento inconfidente era aumentar a
participação de Tomás Antônio Gonzaga, representante da elite brasileira.
Logo o apelo popular de Gonzaga não era de mesmo impacto que o de Tiradentes e,
portanto, estava longe de representar a nação.
A partir da publicação de Norberto,
intensificaram-se as alusões de Tiradentes com Cristo. Ter sido
traído e morto por lutar pela salvação do povo/pátria foram características
presentes na vida dessas duas figuras. A partir daí as representações
imagéticas foram cada vez mais se assemelhando.
Dessa forma, Tiradentes estava cada vez
mais presente no imaginário dos brasileiros, e aos poucos todos iam
se identificando com esse homem. Começaram a ligar Tiradentes às principais
transformações pelas quais passava o país: a Independência, a Abolição e
a República. A sua aceitação veio, assim, acompanhada de sua transformação
em herói nacional, mais do que em herói republicano. Ele unia o país através
do espaço, do tempo e das classes. Para isso, sua imagem precisava ser
idealizada e a falta de documentos contribuiu para que esse processo fosse
tranqüilo.
Aos poucos todos os regimes e
movimentos políticos se apropriaram de alguma forma da imagem de Tiradentes. O governo
republicano declarou o dia 21 de abril feriado nacional e, em 1926,
construíram a estátua em frente ao prédio da Câmara. O governo militar em
1965 o declarou patrono cívico da nação brasileira e mandou colocar retratos
seus em todas as repartições públicas. Durante oEstado Novo foram
representadas peças teatrais, com apoio oficial, exaltando o herói. Nessa época
também houve uma tentativa em modificar a representação tradicional. José
Walsht Rodriguespintou Tiradentes como alferes, um herói cívico e um militar de
carreira. Tentativa falha, pois até hoje quando pensamos em Tiradentes, o
ligamos com aquela imagem barbuda, serena, imortalizada assim como a imagem de
Cristo.
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José Walsht Rodrigues. Alferes Joaquim José da Silva Xavier, 1940. |
Como podemos perceber, desde o
enforcamento de Tiradentes, a sua imagem e a sua história foram sendo
recontadas por diferentes grupos. Os republicanos foram aqueles que mais se
apropriaram e incorporaram no seu discurso a importância de Tiradentes na
história brasileira, apontando-o como o principal responsável pela “salvação”
do povo, para que nem ele e nem a república fossem esquecidos: missão cumprida!
Dica:
Texto baseado no livro de CARVALHO,
José Murilo. A Formação das Almas: o imaginário da República no Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 1990.