Nigel Amon - Cubisme Africain

Nigel Amon   -   Cubisme Africain

3 de ago. de 2016

O que pensa a única mulher a comandar uma Secretaria de Segurança no Brasil


"Pacifista e humanista", ela é a favor da desmilitarização e a modernização da Polícia Militar Ao EL PAÍS, fala sobre o desafio de combater a "cultura da violência à mulher" num país machista

Márcia de Alencar, secretária de Segurança Pública e da Paz Social do 
Distrito Federa   l.MARIANA COSTA/SSP-DF


















Há pouco mais de um mês o presidente interino da República, Michel Temer, convocou uma reunião para anunciar medidas de combate à violência contra a mulher. O encontro foi uma resposta à onda de manifestações pelo Brasil em repúdio ao estupro coletivo de uma adolescente no Rio de Janeiro. Mas chamou a atenção o fato de, entre os 27 secretários de Segurança Pública do país (convocados para o encontro), apenas um ser mulher: Márcia de Alencar Araújo, à frente da pasta no Distrito Federal desde janeiro deste ano.

Num ambiente reunido para pensar em soluções para proteger as mulheres, ficou evidente a baixa representação feminina neste meio, o que foi criticado por especialistas em segurança. Afinal, como um grupo quase exclusivamente masculino poderia pensar em ações de interesse feminino? Naquele mesmo dia, Márcia foi escolhida para integrar o núcleo de combate à violência de gêneroanunciado pelo Ministério da Justiça. Acostumada a ser minoria, a secretária do DF não crê, porém, que trata-se de uma tarefa impossível. O desafio é outro: desconstruir a "cultura de violência à mulher" (termo que prefere usar, no lugar de cultura do estupro) em uma sociedade cujas instituições são, em sua maioria, machistas.

"Sentar na cadeira de secretária de Segurança de um Estado também é enfrentar uma violência institucional pela condição de ser mulher", afirmou, em entrevista ao EL PAÍS, algumas semanas depois da reunião com o Governo interino. Durante uma hora e meia de entrevista por telefone, respondeu às perguntas sobre temas relacionados à segurança pública, sempre de maneira pausada, segura, embora, às vezes, um pouco prolixa. A seguir, algumas dessas opiniões:

Única mulher no cargo

"Sinto-me muito respeitada pelos meus colegas e pelos meus pares que também têm um assento horizontal ao que eu ocupo hoje. No entanto, quando passamos a falar da dinâmica das relações institucionais e da forma como alguns grupos corporativos e alguns grupos de policiais se referem, às vezes, à minha condição, eu percebo de modo muito claro a reprodução da violência contra a mulher, do modelo patriarcal, da forma como é tratado o elemento feminino neste ambiente. Eu percebo que há uma ilusão por eu ter as minhas características humanistas e de pacifista de que eu não tenha capacidade de comando e domínio sobre o processo. Por quê? Porque eu sou mulher."

Desmilitarização da Polícia Militar

"O cidadão ainda tem a polícia como um rescaldo da ditadura ou do militarismo em si. E essa polícia, mesmo tendo se esforçado a se mostrar cidadã, não conseguiu estabelece uma relação suficientemente positiva. Nós temos nessa tradição um esgotamento. Esse padrão que reproduzimos desde a retomada da democracia foi necessário como modelo de transição. Mas qualquer sistema de gestão que não esteja conectado a esse novo tempo não responde mais à missão institucional que se pretende. E, no caso da polícia, isso é muito sério. Primeiro porque o custo social é a violência potencializada. E o custo econômico das polícias é fruto do esforço da sociedade que paga com seus esforços e que, portanto, tem que ter uma instituição forte sim, mas com um modelo de gestão eficiente e eficaz. E mais que isso, penso que as polícias querem demonstrar sua humanidade. Elas se prepararam para os protocolos do século 21, e elas estão prontas pra responder. Elas seriam muito valorizadas e queridas se tivessem uma forma de gestão que permitisse esse fluxo de relação continua com o cidadão."

Cultura do Estupro

"Eu prefiro chamar de cultura de violência à mulher, porque ela se manifesta de várias formas e o estupro é uma delas. Mas há também a cultura do feminicídio, da misoginia... [...] Eu concordo com os especialistas que não é simples, que é complexo. O que eu discordo é que não é possível. Temos que começar. [...]  E Brasília teve, aí sim, o privilégio de se conectar com muita agilidade, de construir a Delegacia da Mulher um modelo que serviu de referência para todos os lugares do Brasil. E agora nós vamos implantar em todas as delegacias, independentemente das especializadas, um núcleo de atendimento à mulher, com oitiva feita por mulheres, com um ambiente completamente climatizado para a lógica feminina de acolhimento... Acabamos de inaugurar um espaço como esse na 31ª DP em Planaltina."(...)

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