Nigel Amon - Cubisme Africain

Nigel Amon   -   Cubisme Africain

24 de out. de 2018

Marcos Monteiro (diário)


Sempre tentando encontrar os caminhos para tantas coisas. 
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DIÁRIO DE UMA ELEIÇÃO ESTRANHA

1

ENTRE O BEIJO E A BALA

Essa é a mais estranha das eleições de que participei. Um candidato libera o beijo, o outro promete bala, e eu descubro estarrecido que muitos seres humanos são contra o beijo e a favor da bala. Especialmente os evangélicos. Muito estranho esse evangelho.

Mas tentam me explicar que são contra somente o beijo da estranha Raça de Humanos Exóticos e que
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os evangélicos amam os humanos exóticos. E acho estranho esse modo de amar, em vez de beijo, bala. Os humanos exóticos que conheço têm pai, mãe, amigos, amigas e medo, muito medo.

Tenho muitas amigas e amigos exóticos. Todas estão com medo, muito medo e sou solidário. Por causa disso quero eleger o beijo, nunca a bala. Sem ódio e sem medo, voto Haddad. Voto 13.

Recife, 15 de outubro de 2018



 2

CONTRA A CAÇA DE HUMANOS

Quando Antônio acordou no hospital, estava com a cabeça lascada. Ele é pai de família, alto, mas é negro e dorme na rua, portanto faz parte dessa Raça de Humanos Exóticos. Um caçador aproveitou de seu sono e lançou um paralelepípedo sobre sua cabeça.

Essa eleição é muito estranha. Há um candidato prometendo mais armas e os Caçadores de Humanos
pragmatismopolítico
Exóticos estão exultantes e prometendo caçar como nunca. Se o caçador de Antônio tivesse esperado teria conseguido talvez caçar com mais objetividade.

Conheço Antônio e a sua monstruosa capacidade de trabalho. Ele é coletor de lixo, mas não tem casa, portanto é vulnerável. Não é do tipo de ter medo, mesmo depois do episódio, mas sabe que não pode dormir, porque os caçadores podem chegar a qualquer momento. Portanto, contra a abertura da temporada de caça aos humanos, sem ódio e sem medo, voto Haddad , voto 13.

Recife, 16 de outubro de 2018



3

QUERO MORRER DE AMOR

A conversa surgiu com o passageiro ao lado, do ônibus urbano quase vazio, ele estava triste. A filha havia morrido de depressão há dois meses, mas era história estranha de amor. Morreu porque o marido morreu de câncer e ela não conseguia dormir nem comer e repetia que queria ir se encontrar com ele, e foi.

História de negros e negras, cor da Raça de Humanos Exóticos, a qual enfrenta a violência do
ospontosdevista

racismo, disfarçado ou explícito, mas estranha história de amor à vida e amor ao amor. Pretas e pretos sofrem preconceito, humilhação e violência, simbólica ou explícita, mas amam.


Nessa estranha eleição, em que um candidato faz discursos preconceituosos e faz apologia da tortura e da violência, quero defender somente a tortura da saudade e a violência do amor. Se tenho de morrer um dia, quero morrer amando, quero morrer de amor. Sem ódio e sem medo voto Haddad, voto 13.

Recife, 17 de outubro de 2018



4

PELA ESPIRAL DO AMOR

Encontrei Dom Helder na camisa de Fernando, no supermercado, com a seguinte frase: “Carregar pessoas nos braços não quero, são pesadas, prefiro carregá-las no coração”.

Fernando é um espírita que ama Dom Helder que era católico, bispo chamado de subversivo, porque
javiersánchez
amava 
os pobres e os assim chamados bandidos. Todos dois também fazem parte da Raça de Humanos Exóticos, que não merecem viver, e um dia um matador foi contratado para destruir Dom Helder, mas mudou de ideia, história bonita que muita gente conhece.

Dom Helder gostava de falar contra a espiral de violência e eu carrego Dom Helder no coração, contra essa espiral de ódio dessa estranha eleição, e penso na necessidade de uma nova, a espiral do amor. Então, sem ódio e sem medo voto Haddad. Voto 13.

Recife, 18 de outubro de 2018



5

VOTO EM BRANCO, VOTO EM HADDAD

A preta do metrô estava com o rosto enfadado e dizendo que não tinha quem fizesse ela votar naquele branco debochado. O deboche de um candidato contra toda a Raça de Humanos Exóticos, contra as mulheres, contra os trabalhadores, contra os quilombos, contra os índios, contra os lgbtt, tinha deixado ela com a cara azeda.

Mas então me surpreendeu dizendo que ia votar em branco e lembrei daquela história de que eleição
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é coisa de branco. E não é mesmo? Negros têm menos acesso à educação, ao trabalho e à política. Têm mais acesso à prisão. Mas também lembrei que na questão educacional, o candidato debochador também debocha das quotas. E talvez ela tenha razão: eles que são brancos que se entendam.

Mas pensei melhor e descobri que tem um branco que quer mais salário, mais educação, mais direitos, mais igualdade, mais justiça para todas e todos, especialmente para os injustiçados por uma civilização escravagista e uma população racista. Então, se é pra votar em branco, votem no branco Haddad. Por mais políticas públicas para mais justiça racial ele tem o meu voto. Sem ódio e sem medo voto em Haddad. Voto 13.

Recife, 19 de outubro de 2018



6

UM EXÓTICO CHAMADO SINVAL

Quando vi a transmissão do bacanal do impeachment e ouvi um atual candidato a presidente vociferar a favor da tortura e homenagear o maior torturador que conhecemos, lembrei das ruas de Feira de Santana e do pequeníssimo comércio de Sinval Galeão.

Ele foi torturado na ditadura porque era comunista, fazia parte da Raça de Humanos Exóticos, mas
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era somente um micro comerciante e um macro amigo meu e de tantas e tantos. Como pedagogia, a tortura demonstrou ser inútil, nem conseguiu informações ou delações, nem destruiu a humanidade e a amorosidade de Sinval, fiel em compromissos e amizades. Conseguiu deformar os seus dedos, sem deformar a sua alma.

Nunca deixou de lutar por um Brasil melhor, mas sofreu um AVC que o levou à morte. No seu enterro os amigos choraram e trouxeram histórias de coragem e ternura. Fui amigo de Sinval, então não tenho condição nenhuma de votar em quem elogia a tortura, e sou amigo do amor e da vida. Portanto, sem nenhum ódio e sem nenhum medo, voto em Haddad. Voto 13.

Recife, 20 de outubro de 2018



7

A SOLIDARIEDADE DA INSÔNIA

Tenho muitas amigas e amigos que não conseguem dormir, todas pertencentes à Raça de Humanos Exóticos. Para elas, já está aberta a temporada de caça e se o Caçador Maior for eleito, pensam que vai piorar. Mas tenho outros que dormem tranquilamente porque acreditam que a sua própria humanidade não se encontra ameaçada.

Então, nessa estranha eleição, posso dividir os eleitores entre os que dormem e os que sofrem insônia.
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Quando pergunto a alguém se está dormindo bem, praticamente descubro o candidato pela resposta. Eu não estou dormindo bem e minha insônia é solidária. Quando meus amigos se sentem caçados, eu sinto a minha humanidade aviltada e sinto imensamente se você está conseguindo dormir bem.

Estar sempre acordado era vigilância de Zeca, carpinteiro desempregado que dormia na rua de Feira de Santana e de Beto, adolescente homossexual, quando descobriu que o pai comprou um revólver. Zeca era o morador de rua mais esfaqueado de Feira de Santana. Por causa dele e de outras, quero ficar acordado o mais possível, enquanto esse clima de terror estiver presente. Então, pela volta do sono tranquilo, sem ódio e sem medo, voto Haddad, voto 13.

Recife, 21 de outubro de 2018



8

UMA ELEIÇÃO DE PERDAS E GANHOS

Não quero perder essa eleição, mas só quero ganhar, na esperança de um mundo em que os dois verbos, perder e ganhar, desapareçam. Fomos educados para competir, suplantar, acumular, e isso se chama ganhar. Na solidariedade, ninguém perde e ninguém ganha, todas e todos vivem o melhor possível.

Os Caçadores de Humanos Exóticos são o subproduto dessa lógica do perde-ganha e uma eleição que
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poderia ser simplesmente isso, uma escolha, tornou-se uma guerra. A desigualdade social envenena com intolerância e discriminação e impede que a diversidade trazida pela Raça de Humanos Exóticos seja percebida com seu esplendor.

A guerra eleitoral deseja exterminar pessoas e direitos, especialmente das trabalhadoras. Sem o verbo perder ou ganhar, transformados em curiosidade linguística de um português arcaico, todas e todos poderiam escolher, como estou fazendo, sem ódio e sem medo, Haddad 13.

Recife, 22 de outubro de 2018



9

OS PARIDORES DE PLANTÃO

As mulheres são metade da humanidade, e fazem parte da Raça de Humanos Exóticos. Pelo que entendi da declaração de um candidato, são os homens que parem a humanidade, sozinhos, as mulheres são recipientes vazios. E só devem parir homens, mulheres só aparecem quando eles fraquejam.

Por serem exóticas devem ganhar menos e não devem receber licença-maternidade (afinal, não são os
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homens os parideiros?). Mais exóticas ainda são as feministas, essas devem sofrer dos caçadores torturas e violências, estupro não, somente para as bonitas.

Quando a opressão dos caçadores sobre a metade da humanidade desaparecer, a igualdade será mais igual e as mulheres terão mais oportunidades de decisão. Contra a chapa de militares autoritários, voto em um professor educado e em uma jornalista feminista inspirada. Sem ódio e sem medo, voto em Haddad 13.

Recife, 23 de outubro de 2018





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