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Um
aspecto surpreendente das cartas
de Van Gogh a seu irmão, Theo, é o Van Gogh leitor, para quem
“o amor aos livros é tão sagrado quanto o amor a Rembrandt”.
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Rembrandt |
Na verdade, ele acreditava que esses dois amores “se completam”. Mas seu entendimento a respeito da leitura vai ainda mais longe: para Van Gogh — dedicado, minucioso observador da natureza — “é preciso aprender a ler, como é preciso aprender a ver e aprender a viver”.
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Dostoiévski |
Ele se emociona com um pequeno artigo sobre Dostoiévski, admira certa paisagem por ter “um não sei quê de Boccaccio”, conforta-se quando encontra, perto de Avignon, os mesmos ciprestes e loureiros-rosa que Petrarca teria visto — e, passados alguns meses sem ler, após devorar vários capítulos de Camille Lemonnier, comenta: “Isto me cura consideravelmente”.
Como todos os leitores dedicados, Van Gogh também ensaia um
Deseja
“reler tudo” de Balzac. Divaga a respeito de O
ano terrível,
de Victor Hugo. Encanta-se com Dickens e vê, no seu Contos
de Natal,
“enormes afinidades com Carlyle”. Avalia O
imortal,
de Daudet, como
Van
Gogh é leitor assíduo de Shakespeare. Pede ao irmão que lhe envie
uma edição
completa, a mais barata que houver. Quando os livros
chegam, comemora: “Isto me ajudará a não esquecer o pouco inglês
que sei, mas sobretudo é tão belo!” — e completa: “Já li
o Ricardo
II, Henrique
IV e
a metade do Henrique
V.
Leio sem pensar se as ideias das pessoas daquela época são as
mesmas que as nossas, ou o que acontece quando as colocamos cara a
cara com as crenças republicanas, socialistas, etc. Mas o que me
toca, assim como certos romancistas de nossa época, é que as vozes
dessas pessoas, que no caso de Shakespeare nos chegam de uma
distância de vários séculos, não nos pareçam desconhecidas. É
tão vivo que acreditamos conhecê-las e vê-las”.
Emociona-se,
ao ler Henrique
VIII,
com as últimas palavras de Buckingham, depois de sua injusta
condenação — e imediatamente deseja ler Homero.
Mas
Van Gogh não demonstra ser, na arte da leitura, um mero diletante.
Enquanto lê Shakespeare, sua mente divaga: “Lá fora as cigarras
cantam esganiçadamente, um grito estridente, dez vezes mais forte
que o dos grilos, e a relva toda queimada toma belos tons de ouro
velho. E as belas cidades do Midi estão na situação de nossas
cidades mortas ao longo do Zuyderzee, outrora animadas”. A
decadência das cidades, somada ao canto das cigarras, leva-o a novas
ilações — e ele recorda as cigarras de Sócrates, lembrança,
talvez, da leitura do Fedro.
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Van Gogh |
Entre
a pintura e a poesia, contudo, ele ficará com o silêncio da
primeira: “Sempre me parece que a poesia é mais terrível que a
pintura, embora a pintura seja mais baça e afinal mais chata. E o
pintor, afinal, não diz nada, ele se cala, e eu ainda prefiro isto”.
Mas,
ainda que, para ele, a poesia possa ser derrotada pela pintura, Van
Gogh encontra na
ficção, especificamente em Guy de Maupassant, o que ele próprio busca: “a liberdade […] de […] exagerar, criar uma natureza mais bela, mais simples, mais consoladora”. E a conclusão de Maupassant o remete à certeza de Flaubert: “O talento é uma longa paciência, e a originalidade é um esforço de vontade e de observação intenso”. Lições, convenhamos, essenciais para qualquer artista, para qualquer escritor.
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