Em meio a ressalvas
de farmacêuticos, temores de segurança e promessas de lucros, o Uruguai
colocará em prática no próximo mês a venda de maconha em farmácias.
Em 25 de julho,
"com uma margem de erro de dez dias para mais ou para menos", a
cannabis para uso recreativo será ofertada nos estabelecimentos, afirmou à BBC
Brasil, Milton Romani, secretário-geral da Junta Nacional de Drogas.
O órgão
interministerial é o responsável por levar adiante a política concebida no
governo de José Mujica, e que tem continuidade na gestão do atual presidente,
Tabaré Vázquez.
Essa é a terceira e
última etapa da implantação da lei, aprovada em 2013, que determina a
estatização da maconha recreativa nas etapas de produção, distribuição e venda.
As duas primeiras
fases, já implementadas, foram a liberação do cultivo doméstico e da criação
dos clubes canábicos, mediante registro nos órgãos governamentais.
Em meados de julho,
o país dará início ao registro de consumidores que desejam obter a droga nas
farmácias - o procedimento será realizado nos Correios do país e será feito por
meio do registro das impressões digitais dos interessados.
E, no final do mês,
50 estabelecimentos em todo o território darão início à venda, em sistema
experimental. A maioria dos postos de distribuição se concentrará em Montevidéu
e em Canelones, departamento (Estado) vizinho à capital.
Para adquirir, o
usuário não precisará dizer o nome nem mostrar nenhum documento. Apenas deverá
passar os dedos por uma máquina de leitura de impressões digitais, que
informará ao farmacêutico que a pessoa possui o registro.
Poderão ser
comprados 10 gramas por semana - o limite para cada consumidor é de 40 gramas
por mês.
Desconfiança e lucro
O Ircca (Instituto
de Regulação e Controle da Cannabis) assinou um acordo de adesão com as
entidades que representam donos de farmácias, incluindo as duas principais
redes do setor, para a venda nesta etapa inicial ou depois que o sistema
estiver totalmente implantado.
Há resistências por
parte de algumas empresas e de farmacêuticos à frente dos estabelecimentos, que
manifestam temores especialmente quanto à segurança das farmácias - sobretudo
em regiões onde o narcotráfico é mais atuante.
O governo oferece
aos comerciantes uma margem de lucro de 30% sobre o preço básico de venda, e os
empresários do setor estão negociando remunerações extras para os farmacêuticos
à frente dos lugares que vendam maconha.
Cálculos do governo
estimam que o comércio aumentará a renda dos estabelecimentos em US$ 2 mil (cerca
de R$ 6,8 mil) por mês. A droga chegará às farmácias por US$ 0,90 por grama
(aproximadamente R$ 3) e será vendida ao consumidor por US$ 1,17 por grama
(cerca de R$ 4).
"Em farmácias
do interior, surgiu a questão de que muitos donos temem que o consumidor
frequente não queira adquirir seus medicamentos ao lado de um 'maconheiro' que
esteja ali no balcão, no mesmo momento. Isso vem aparecendo. E também há uma
certa desconfiança, muita gente acha que não vamos implantar o sistema",
diz o secretário-geral.
"Se as
farmácias continuarem conosco, muito bem. Se não, usaremos outro sistema de
distribuição. Vamos cumprir a lei. Em Washington e no Colorado, há o livre
mercado. Nós não estamos de acordo com isso. Queremos que a venda seja regulada
e controlada, e que se crie uma relação confiável entre o usuário e os
provedores."
A atual etapa de
implantação da lei é considerada a mais complexa por vários fatores: segurança,
logística, adesão de farmácias e por causa da mudança cultural exigida de boa
parte dos frequentadores de farmácias no Uruguai.
Mas o principal
desafio consiste em se tornar a modalidade de acesso à droga que deverá ser
procurada pela maioria dos consumidores do país.
De acordo com
levantamento da Associação de Estudos de Cannabis do Uruguai, 80% dos
consumidores de maconha no país (128 mil pessoas) deverão utilizar essa opção
de compra. Segundo estimativas oficiais, há um total de 160 mil usuários
regulares no Uruguai.
"Nosso enfoque
é de saúde e de proteção de direitos. Primeiro, deixamos de estigmatizar o
usuário. Obviamente que o consumo traz seus riscos, mas sabemos também que há
consumidores de cannabis que não apresentam grandes problemas. E, se há
problemas, é preferível que haja uma relação transparente com o Estado, e não
persecutória", diz Romani.
"Não estamos
regulando a cannabis porque se trate de um doce. Estamos regulando justamente
porque se trata de uma droga perigosa. O controle penal proibicionista vem
gerando mais danos do que a própria droga em si."
Nova licitação
A colheita dos
primeiros lotes já está sendo realizada pelas empresas ICCorp e Simbiosys,
vencedoras da licitação para essa etapa inicial.
Como essa produção
não será suficiente para abastecer o mercado local, o governo deverá
selecionar, mediante uma segunda licitação, novas companhias interessadas em
plantar, colher e processar maconha no país.
"Vamos proceder
de forma paulatina. É a primeira vez que se faz isso no mundo. Nosso temor é que,
por ter pressa, cometamos erros e não possamos avançar depois. O que começa
agora será um plano piloto", diz o secretário-geral.
A maconha será
vendida como uma "variedade vegetal com índice psicoativo". Romani
afirma que a droga não poderá estar exposta dentro das farmácias, e que haverá
três variedades de cannabis, que serão oferecidas por grau de intensidade.
A venda será
permitida apenas a maiores de 18 anos, uruguaios ou estrangeiros com mais de
dois anos de residência no país e que tenham registro prévio efetuado nos
Correios.
Desde 1974, é
permitida no Uruguai a posse de qualquer tipo de droga para consumo próprio.
FONTE: BBC BRASIL