"Grande dia!" -
"Vá com Deus e seja feliz!".
.......................
Com medo de ameaças, Jean Wyllys,
do PSOL, desiste de mandato e
deixa o Brasil
'Quero cuidar de mim e me manter vivo', afirma deputado federal eleito pelo Rio
SÃO PAULO
Eleito pela terceira
vez consecutiva deputado federal pelo PSOL do Rio de Janeiro, Jean Wyllys vai
abrir mão do novo mandato.
Em entrevista
exclusiva à Folha, o parlamentar —eleito com 24.295 votos e que está fora do
país, de férias— revelou que não pretende voltar ao Brasil e que vai se dedicar
à carreira acadêmica.
O presidente
nacional do PSOL, Juliano Medeiros, confirmou que a vaga de Wyllys deve ser
ocupada pelo suplente David Miranda (PSOL-RJ), que atualmente é vereador no Rio
de Janeiro.
![]() |
Deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ), que disse que vai desistir de assumir o mandato - Divulgação |
Desde o assassinato
da sua correligionária Marielle Franco, em março do ano passado, Wyllys vive
sob escolta policial. Com a intensificação das ameaças de morte, comuns mesmo
antes da morte da vereadora carioca, o deputado tomou a decisão de abandonar a vida
pública.
"O
[ex-presidente do Uruguai] Pepe Mujica, quando soube que eu estava ameaçado de
morte, falou para mim: 'Rapaz, se cuide. Os mártires não são heróis'. E é isso:
eu não quero me sacrificar", justifica.
De acordo com
Wyllys, também pesaram em sua resolução de deixar o país as recentes
informações de que familiares de um ex-PM suspeito de chefiar milícia
investigada pela morte de Marielle trabalharam para o senador eleito Flávio
Bolsonaro durante seu mandato como deputado estadual pelo Rio de Janeiro.
"Me apavora
saber que o filho do presidente contratou no seu gabinete a esposa e a mãe do
sicário", afirma Wyllys. "O presidente que sempre me difamou, que
sempre me insultou de maneira aberta, que sempre utilizou de homofobia contra
mim. Esse ambiente não é seguro para mim", acrescenta.
Após a divulgação de
que Wyllys decidiu abrir mão de seu mandato, o vereador Carlos Bolsonaro
(PSC-RJ), filho de Jair Bolsonaro, escreveu no Twitter: "Vá com Deus e
seja feliz!". O presidente, após dizer que estava retornando ao Brasil
após a semana em Davos, na Suíça, postou em rede social a mensagem "Grande
dia!", mas sem detalhar a que se referia.
Muitos internautas
interpretaram a mensagem como uma referência a
Wyllys. O suplente David Miranda escreveu: "Respeite o Jean, Jair,
e segura sua empolgação. Sai um LGBT mas entra outro, e que vem do Jacarezinho.
Outro que em 2 anos aprovou mais projetos que você em 28. Nos vemos em
Brasília".
Primeiro parlamentar
assumidamente gay a encampar a agenda LGBT no Congresso Nacional, Wyllys se
tornou um dos principais alvos de grupos conservadores, principalmente nas
redes sociais. Ele também se diz "quebrado por dentro" em virtude de
fake news disseminadas a seu respeito, mesmo tendo vencido pelo menos cinco
processos por injúria, calúnia e difamação.
"A pena
imposta, por exemplo, ao Alexandre Frota não repara o dano que ele produziu ao
atribuir a mim um elogio da pedofilia. Eu vi minha reputação ser destruída por
mentiras e eu, impotente, sem poder fazer nada. Isso se estendendo à minha
família. As pessoas não têm ideia do que é ser alvo disso", afirmou
Wyllys.
Deputado federal
eleito pelo PSL de São Paulo, Frota foi condenado em primeira instância na
Justiça Federal, em dezembro do ano passado, a pagar uma indenização de R$ 295
mil por postar uma foto de Jean Wyllys acompanhada de uma declaração falsa:
"A pedofilia é uma prática normal em diversas espécies de animal, anormal
é o seu preconceito".
Wyllys se ressente,
sobretudo, da falta de liberdade no Brasil. "Como é que eu vou viver
quatro anos da minha vida dentro de um carro blindado e sob escolta? Quatro
anos da minha vida não podendo frequentar os lugares que eu frequento?",
questiona.
Também avisa que vai
se desconectar das redes sociais temporariamente e que não pretende acompanhar
a repercussão do seu anúncio.
"Essa não foi
uma decisão fácil e implicou em muita dor, pois estou com isso também abrindo
mão da proximidade da minha família, dos meus amigos queridos e das pessoas que
gostam de mim e me queriam por perto", explica.
Sobre o futuro, ele
ainda não tem planos definidos. "Eu acho que vou até dizer que vou para
Cuba", ironiza.
*
Quando você decidiu
abrir mão do mandato?
Eu já vinha pensando
em abrir mão da vida pública desde que passei a viver sob escolta, quando
aconteceu a execução da Marielle. Antes disso, havia ameaças de morte contra
mim e, curiosamente, não havia contra ela. Nunca achei que as ameaças de morte
contra mim pudessem acontecer de fato. Então, nunca solicitei escolta.
Mas, quando rolou a
execução da Marielle, tive noção da gravidade. Além dessas ameaças de morte que
vêm desses grupos de sicários, de assassinos de aluguel ligados a milícias,
havia uma outra possibilidade: o atentado praticado por pessoas fanáticas religiosas
que acreditavam na difamação sistemática que foi feita contra mim.
Você chegou a ser
agredido?
Além dos
xingamentos, tinha gente que me empurrava, mesmo com a presença dos seguranças
ao meu lado. E a coisa foi se agravando por causa da campanha baseada em fake
news. Eu não era candidato à Presidência da República, mas a principal fake
news me envolvia —o kit gay. Foi uma fake news produzida em 2011 e atribuída a
mim.
No dia em que
ocorreu o eclipse lunar [27/07], aquele em que a Lua ficou vermelha, eu não
podia descer porque eu estava ameaçado. Só podia descer com a escolta, e a
escolta não estava lá. Uma coisa simples, um fenômeno no céu que eu não podia
ver.
Nesse dia, tive uma
crise de choro e falei: "Eu vou largar tudo". Não posso estar no meu país
e não poder descer para ver um eclipse lunar sem ser insultado por pessoas que
acham que sou pedófilo, que quero homossexualizar crianças.
Você cogitou a ideia
de não se candidatar?
Não cheguei a pensar
nisso porque estava no fluxo do trabalho. E não era uma questão só minha,
envolvia o partido. Mas, quando já era candidato, pensei em abandonar a
candidatura. Aí, durante a eleição aconteceu o atentado contra o presidente,
esse atentado que está por ser explicado ainda, e isso atiçou ainda mais a violência
contra mim nos espaços públicos.
A Comissão
Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA)
emitiu uma medida cautelar logo depois da eleição. O documento é claríssimo: é
baseado em todas as denúncias que nós fizemos à Polícia Federal, no fato de que
a Polícia Federal não avançou nas investigações sobre as ameaças contra mim. No
fato de que a proteção era pífia.
A OEA deu um prazo
para o Estado responder quais eram as providências que estava tomando em
relação à minha proteção. A resposta foi a mais absurda possível.
O Estado não
reconheceu que havia uma violência homofóbica no Brasil. Isso com quatro
pessoas LGBTs ou mais tendo sido mortas durante o processo eleitoral, com o Moa
do Katendê tendo sido assassinado na Bahia por causa do ambiente de violência
política que se estabeleceu no Brasil.
A resposta do Estado
à OEA foi dizer que eu estava seguro, tanto é que eu participei das eleições. É
uma piada. Eu não via a hora de sair de férias porque queria sair do país. Porque
estava me sentindo inseguro, mesmo com a escolta me acompanhando. Quando saí de
férias, experimentei de novo uma vida em liberdade. Aí, tomei a decisão de não
voltar.
Você se firmou como
um dos principais adversários de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados, a
ponto de ter cuspido na cara dele durante a votação do impeachment da
ex-presidente Dilma Rousseff. A eleição de Bolsonaro contribuiu para sua
decisão de não assumir o novo mandato?
Não foi a eleição
dele em si. Foi o nível de violência que aumentou após a eleição dele. Para se
ter uma ideia, uma travesti teve o coração arrancado agora há pouco. E o cara
[o assassino] botou uma imagem de uma santa no lugar.
Numa única semana,
três casais de lésbicas foram atacados. Um deles foi executado. A violência
contra LGBTs no Brasil tem crescido assustadoramente.
O [ex-presidente do
Uruguai] Pepe Mujica, quando soube que eu estava ameaçado de morte, falou para
mim: "Rapaz, se cuide. Os mártires não são heróis". E é isso: eu não
quero me sacrificar.
A violência contra
mim foi banalizada de tal maneira que Marilia Castro Neves, desembargadora do
Rio de Janeiro, sugeriu a minha execução num grupo de magistrados no Facebook.
Ela disse que era a favor de uma execução profilática, mas que eu não valeria a
bala que me mataria e o pano que limparia a lambança.
Na sequência, um dos
magistrados falou que eu gostaria de ser executado de costas. E ela respondeu:
"Não, porque a bala é fina".
Veja a violência com
homofobia dita por uma desembargadora do Rio de Janeiro. Como é que posso
imaginar que vou estar seguro neste estado que eu represento, pelo qual me
elegi?
Você é o principal
porta-voz do movimento LGBT no Congresso. Num momento em que o debate em torno
dessas pautas tende a se acirrar, como você se sente abrindo mão do mandato?
Para o futuro dessa
causa, eu preciso estar vivo. Eu não quero ser mártir. Eu quero viver. Acho que
essa violência política que se instalou no nosso país vai passar. Pode ser que
no futuro eu retome isso, mas eu nem penso em retomar porque há tantas maneiras
de lutar por essa causa que não passam pelo espaço da institucionalidade.
Você foi um dos
primeiros políticos a usar intensamente a internet. Como você enxerga a atual
atmosfera das redes sociais?
A diferença é que eu
usava a internet para dar transparência ao meu trabalho, para ampliar os canais
de comunicação e de democracia direta com a população. Nunca usei a internet
para difamar ninguém, para caluniar ninguém.
Essa é a diferença
para essas novas estrelas das redes sociais. Elas usam as redes sociais para a
divulgação de fake news.
Há uma bancada
inteira eleita com base em mentiras, inclusive contra mim. Eu venci processos
contra umas cinco pessoas que me caluniaram. Só que esses processos não reparam
o dano que isso causou na minha vida e na vida da minha família.
A pena imposta, por
exemplo, ao Alexandre Frota não repara o dano que ele produziu ao atribuir a
mim um elogio da pedofilia. Eu vi minha reputação ser destruída por mentiras e
eu, impotente, sem poder fazer nada. Isso se estendendo à minha família. As
pessoas não têm ideia do que é ser alvo disso.
Quais são seus
planos? Para onde você vai?
Eu não vou falar
onde estou. Eu acho que vou até dizer que vou para Cuba [ironiza]. Eu sou
professor, dou aula. Eu escrevo, tenho um livro para terminar. Eu vou recompor
minha vida. Eu vou estudar, quero fazer um doutorado.
Vou escolher um
lugar onde eu possa fazer meu doutorado, que eu não pude fazer durante esses
anos. Vou tocar minha vida dessa outra maneira.
Quando eu estiver
refeito, quando eu achar que é a hora, eu volto, não necessariamente para esse
lugar da representação política parlamentar, mas para a defesa da causa —isso
eu nunca vou deixar de fazer.
Qual foi a reação do
seu partido, o PSOL?
O partido reconhece
que de fato eu sou um alvo e me deu apoio na minha decisão de não voltar.
Reconhece que são graves as ameaças contra mim, que eu corro risco, que há uma
vulnerabilidade maior pelo fato de eu ser identificado com a causa LGBT.
Lamenta, claro, mas apoia minha decisão.
Você acha que a
defesa muito enfática que você fez do mandato de Dilma Rousseff, e sobretudo do
ex-presidente Lula, contribuiu para que esse clima de animosidade contra você
crescesse?
Acho que sim. Acho
que tudo acabou se misturando e eu fui convertido em um inimigo público para
essas pessoas. Havia quem fizesse ameaça por conta desse ódio antipetista e
havia quem quisesse me calar de fato. Tudo isso se misturou.
O PSOL reconhece
essa vulnerabilidade. Mesmo os meus eleitores compreenderão isso. Milhares de
pessoas não foram às ruas para protestar contra a execução da Marielle Franco à
toa. Elas foram porque ficaram indignadas com a execução de uma mulher honesta,
digna, uma parlamentar com um futuro brilhante que foi executada por uma rajada
de metralhadora, parte dos tiros na cara dela.
Eu não quero ter
esse fim. E para não ter esse fim eu não volto e não vou assumir o mandato. Não
estou renunciando a nada porque sequer investi no mandato.
Você se arrepende de
algo nesses oito anos como deputado federal?
Não me arrependo de
nada. Eu acho que dei uma bela contribuição, que pode não ser reconhecida agora
por causa das fake news, dos ataques e das mentiras, mas o espelho retrovisor
pode mostrar de maneira clara como eu estive do lado certo o tempo inteiro.
A conquista do
casamento civil igualitário foi uma conquista que dependeu muito da minha luta.
Tenho muito orgulho do que fiz. Durante esses oito anos, enfrentei tudo isso
com muita dignidade. Mas sou humano e cheguei ao meu limite.
E me apavora saber
que o filho do presidente contratou no seu gabinete a esposa e a mãe do sicário
[ex-PM suspeito de chefiar milícia que é investigada no caso Marielle]. O
presidente que sempre me difamou, que sempre me insultou de maneira aberta, que
sempre utilizou de homofobia contra mim. Esse ambiente não é seguro para mim.
Qual é sua
expectativa para o governo Jair Bolsonaro e qual deve ser o papel da oposição
nos próximos quatro anos?
Não tenho nenhuma
expectativa positiva em relação a esse governo. O nível de violência contra as
minorias aumentou drasticamente desde que esse sujeito foi eleito. As suas
relações pouco republicanas já vieram à tona —dele e de seus filhos. Então, não
tenho boas expectativas.
A política econômica
também não desenha um bom horizonte. O choque do neoliberalismo em um país
desigual como o nosso não será bom. E acho que o Ministro da Justiça [Sergio
Moro] deve no mínimo prestar algum tipo de satisfação à população. Então,
minhas perspectivas não são as melhores.
E acho que a saída
para as esquerdas é a união. Mas, sinceramente, eu não quero mais opinar sobre
isso porque estou abrindo mão do mandato justamente para não ter mais que
opinar neste momento sobre essa questão. Quero cuidar de mim e me manter vivo.
Fonte: Correio Braziliense >>Link: https://t.co/Xy6SyDNXDy
........................................................
absurdos