Feminismo de hoje é tão
reacionário quanto o machismo neandertal
Ângelo
Abu/Folhapress
Passei as
festividades natalinas lendo Camille Paglia. Não sei se é pecado. Talvez seja.
Mas que alegria –e que prazer!– ler uma feminista com atividade cerebral
completa, que não se limita a defender a dignidade das mulheres –mas a dos
homens também.
O título da sua
coletânea de ensaios –"Free Women, Free Men: Sex, Gender, Feminism"
(libertem mulheres, libertem homens: sexo, gênero e feminismo)– diz tudo:
queremos uma sociedade de mulheres e homens livres –ou uma farsa infantil onde
as mulheres são tratadas como espécies protegidas e os homens como selvagens
inimputáveis?
O feminismo de
Paglia, que provoca horrores mil nas "neofeministas", pode parecer
demasiado severo para a sensibilidade histérica dos nossos dias. Mas subscrevo
esse feminismo, não apenas por razões intelectuais –mas pessoais.
Cresci entre
mulheres. Vivo entre elas. E quando relembro as mulheres da minha vida todas
elas parecem encarnar o ideal de Paglia. Independentes. Irônicas. Corajosas.
Que, sem surpresas, sempre gostaram de partilhar o espaço com homens adultos,
dignos, refinados.
Para Paglia, o
novo feminismo abandonou esse imperativo de exigência para que as mulheres
sejam "amazonas", ou seja, senhoras da sua liberdade. Transformou as
mulheres em seres débeis e vulneráveis, que devem ser constantemente protegidas
de um mundo hostil e predatório.
Nota importante:
Paglia não nega que o mundo é hostil e predatório. Sempre foi, sempre será. Ela
apenas reafirma que as mulheres devem aprender a lidar com isso, não a
retirar-se da arena como seres assustadiços.
Infelizmente, a
voz de Camille Paglia foi abafada pela cultura da vitimização reinante. A
Europa, nesse quesito, é terra devastada.
Leio na imprensa
que a virada do ano em Berlim teve, pela primeira vez, uma "zona
segura" para as mulheres. Em 2016, centenas foram abusadas por homens de
"aparência árabe e norte-africana". Em 2017, houve uma espécie de
"resort" para as espécies femininas que se sintam ameaçadas –e com a
presença permanente da Cruz Vermelha.
Pode parecer
piada. Ou cenário de guerra. Não é. As autoridades do país entenderam que a
melhor forma de proteger as senhoras é pela segregação social (como nos países
islâmicos). Será preciso elaborar sobre a aberração?
O papel de uma
sociedade política civilizada não passa pela separação dos sexos. Passa pela
garantia de segurança e ordem para todos. E de punição exemplar para os
criminosos, independentemente da etnia, religião ou tara privada.
Será que a única
coisa que o feminismo do século 21 tem para oferecer às mulheres é uma jaula? E
não será essa oferta um insulto e uma degradação das próprias mulheres?
Mas a Alemanha não
é caso isolado. Na Suécia, há uma nova lei a caminho para punir a violação. O
premiê Stefan Löfven fala em "reforma histórica" –e eu tremo:
relações sexuais, só com "consentimento explícito". Mas de que
"consentimento" falamos? Verbal? Gestual? Só vejo uma forma de
produzir uma prova de inocência irrefutável: um documento escrito.
Imagino: dois
amantes, em momento de excitação. Subitamente, um deles para o andamento da
dança e entrega um formulário para ser preenchido e assinado pela donzela
arfante.
Dizer que isso é
um dramático "turn-off" é um eufemismo. Mas não é um eufemismo
declarar que uma lei dessas, mesmo na versão oral ("sim, declaro
solenemente que tens a minha autorização para contatos fálico-vaginais"),
é uma caricatura grotesca da intimidade entre adultos.
Será que a única
coisa que o feminismo do século 21 tem para oferecer às mulheres é um papel e
uma lapiseira?
Não tenho filhas.
Se tivesse, Camille Paglia seria leitura obrigatória. Só para que elas
aprendessem que as mulheres não são vítimas naturais de um mundo que existe
para as amedrontar ou violar.
As mulheres devem
ser mulheres: livres, independentes, conscientes do seu poder sexual, capazes de
avaliar os riscos (e os homens) sem a mão paternalista de outras mulheres (ou
de outros homens) que gostam de defender as suas "honras".
"Defender a
honra?" Precisamente. O feminismo contemporâneo é tão reacionário como o
machismo neandertal: ambos tratam as mulheres com a mesma condescendência.
Ambos olham para as mulheres como o "sexo fraco".
É o eterno
retorno.