Mulheres passavam ouro em pó sobre as faces,
Por Ignácio de Loyola Brandão*
18/12/2022 | 03h00
Naquele país, certo dia as pessoas passaram a ter fome de comidas polvilhadas a ouro. Tornou-se febre, moda. Não se sabe onde e quando começou. Mas correu que assim todos seriam super-humanos, supercérebros, supereficientes, super-ricos, supertudo.
Provavelmente souberam da lenda do rei Midas. Mas a maioria não tinha ideia de quem foi esse rei; naquele país, a Educação tinha sido abolida. Assim, na macarronada, em lugar do queijo, aspergiam ouro ralado. No bife, em lugar do sal, ouro em pó. Na salada, molho de ouro com diamante líquido. O arroz era temperado com lasquinhas de ouro em lugar de cebola ou alho. As pizzas eram cobertas por queijo e rodelas de tênues barras cilíndricas de ouro. O pastel de carne desapareceu, comia-se pastel recheado com ouro moído.
Os garimpeiros ilegais foram legalizados, para fornecer barras ou lingotes de variados tamanhos, para a enorme diversidade de comida que o país oferecia. De um momento para o outro, todos programas de culinária da televisão, os chamados Master Chefs, passaram a refulgir com ouro, os cenários eram dourados, as roupas dos chefs e das chefs douradas. No cotidiano, as bebidas passaram a ser ouro líquido, os carros eram dourados, um único shopping da capital passou a ser frequentado, afinal chamava-se Eldorado.
Arqueólogos israelense anunciaram a descoberta de um tesouro durante escavações recentes perto da cidade central de Yavn Tel Aviv. A coleção de 425 moedas de ouro, a maioria datando do Califado Abássida,o terceiro califado islâmico,há cerca de 1.100 anos, é uma descoberta "extremamente rara". Foto: Heidi Levine / Sipa Press / Pool / AP
As mulheres passavam ouro em pó sobre as faces, pintavam as unhas de dourado, os homens compravam óculos de ouro, relógios de ouro, computadores de ouro, celulares de ouro, dentistas voltaram a fazer obturações de ouro.
Um único filme fazia sucesso nos cinemas: a reprise de Boca de Ouro, de 1963, inspirado em uma peça de Nelson Rodrigues de mesmo nome e estrelado por uma atriz maravilhosa, chamada Odete Lara. Outro sucesso era comédia Em Busca do Ouro, de 1925, dirigida e estrelada por Charlie Chaplin. Na televisão, via-se continuamente, na Sessão da Tarde, no horário das 18h e no horário nobre das 21h, somente a minissérie Anos Dourados, de Gilberto Braga.
Uma sensação noticiada no mundo inteiro. O turismo cresceu a tal ponto que as reservas auríferas estavam se esgotando. Mas durou pouco. Outra notícia correu e o sonho acabou. Porque se descobriu que, por mais ouro que comessem e bebessem e usassem, na hora H, no momento de evacuar, o que se via era o mesmo que sempre se viu desde que o homem é homem. Ou seja excrementos, dejetos. Merda, se me permitem a palavra chula, verdadeira.
* É JORNALISTA E ESCRITOR, AUTOR DE ‘ZERO’ E ‘NÃO VERÁS PAÍS NENHUM’