por Mariana Simões
“É uma masmorra do século passado, da Idade Média. Sem janela, sem luz e sem ventilação”, afirma pesquisadora da Fiocruz +
Taxa de mortalidade entre presos no Rio de Janeiro é cinco vezes maior que a média nacional, diz estudo inédito da Fiocruz +
Excedendo em 79% a sua capacidade de ocupação, Ary Franco tem capacidade para 968 internos +
Em pé e sem camisa, Adriano Diogo Cordova, de 21 anos, ajeita o boné na cabeça, cruza os braços sobre o peito e fala sem medo. “Quando você entra, você vai descendo para a galeria onde fica o presídio e tudo vai ficando feio e muito escuro. Tudo lá é subterrâneo. Você desce assim e vai ficando tudo abafado. Aí você começa a respirar diferente. É como respirar em um lugar úmido, fechado. É muito desumano”, conta.
Em meio ao surto de coronavírus, Adriano ficou mais de dois meses detido na unidade prisional Ary Franco, localizada em Água Santa, na zona norte da capital fluminense. Por conta da pandemia, desde março as visitas foram suspensas em todos os presídios do Rio de Janeiro e o processamento da ordem de soltura de Adriano atrasou um mês a mais do que deveria.
Ao lado da casa de um andar que divide com a mãe, esposa, o filho de 4 anos e os cinco irmãos em São Gonçalo, município da Grande Rio de Janeiro, Adriano relembra o dia em que foi preso. Preso em flagrante pela Polícia Militar no dia 23 de janeiro por tráfico de drogas, Adriano alega ter sido vítima de uma injustiça. Segundo ele, caminhava perto de uma boca de fumo onde acabara de acontecer uma troca de tiros entre policiais e civis quando foi parado. “Eu estava só indo para a casa da minha tia. Os policiais me abordaram e eu fui muito agredido. Praticamente me torturaram porque queriam que eu falasse que eu era da boca de fumo, mas eu não era.” Um laudo médico solicitado pelo Tribunal de Justiça do Rio confirma que havia “vestígios de lesão” no corpo de Adriano. Uma declaração feita por dois policiais militares diz que Adriano carregava “43 unidades de material assemelhado a de cocaína”, mas o acusado alega que a droga foi atribuída falsamente ao seu nome. Os policiais ainda declararam que Adriano disse “fazer parte do tráfico de drogas local” e estar “na função da atividade”. Em audiência de custódia se decidiu que “estão presentes elementos suficientes” para Adriano permanecer em prisão preventiva e se citou como motivo o fato de ele ter sido preso “em localidade já conhecida pelo tráfico de drogas”, bem como a “grande quantidade de cocaína” supostamente portada por ele. Adriano foi levado então para a unidade prisional Ary Franco.
O presídio é composto por oito galerias que, identificadas por letras, abrigam dezenas de celas, a maioria subterrânea e acessível apenas por corredores estreitos e um labirinto de escadas. Em 2011 o Subcomitê de Prevenção à Tortura (SPT) das Nações Unidas visitou o presídio e recomendou “o fechamento imediato” após ter concluído que “a detenção naquelas condições equivalia a tratamento desumano e degradante”. Recentemente, em 2018, a Defensoria Pública do Rio voltou a pedir o fechamento do presídio. A unidade prisional tem capacidade para 968 internos, mas, pela contagem do dia 11 de maio, abrigava mais de 1.700 presos em um ambiente que lembra um calabouço, excedendo em 79% a sua capacidade de ocupação.
“[Ary Franco] é sem dúvida nenhuma a pior unidade prisional do Rio de Janeiro”, diz a pesquisadora Alexandra Sánchez, do Grupo de Pesquisa Saúde nas Prisões, da Fiocruz. “É uma masmorra do século passado, da Idade Média. Ele é um presídio em vários níveis, com celas subterrâneas, sem janela, sem luz e sem ventilação. Nenhuma outra unidade no Rio de Janeiro tem essas características”, conclui Alexandra. A pesquisadora acrescenta que um ambiente subterrâneo com pouca ventilação, sem luz e com muita humidade é local propício para a propagação de doenças como a Covid-19. “Lá qualquer doença infectocontagiosa vai proliferar mais rapidamente pelas condições que são ainda piores que nas outras unidades”, completa.
Enquanto a crise da Covid-19 se espalhava pelo mundo, Adriano ficou sabendo do vírus pela televisão do presídio. “Nós ficamos nervosos. Porque todo mundo falou que pega pelo ar, e ainda mais lá que nós estamos todos juntos e tem mais de cem em uma cela pequena”, relata. “Na galeria F [na cela ao lado] já tinha uns três que estavam com suspeita de estar com coronavírus. Eu fiquei sabendo disso porque os funcionários mesmo falavam”, diz.
Procurada, a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) não respondeu à reportagem sobre a existência de casos de coronavírus na unidade Ary Franco. Até 1o de maio, a Seap contabilizava apenas quatro casos confirmados de coronavírus em todo o sistema prisional fluminense. A Defensoria Pública do Rio, especialistas de saúde carcerária e um funcionário do sistema prisional relataram à Agência Pública que a falta de estrutura e medidas prá ticas para conter a expansão do vírus em um ambiente superlotado fazem da Ary Franco uma bomba-relógio, ameaçando o colapso do sistema a qualquer momento.
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