Nigel Amon - Cubisme Africain

Nigel Amon   -   Cubisme Africain

10 de abr. de 2022

Antônio Gonçalves Teixeira e Sousa.

Joceline Gomes

Em 2012 celebraremos o fato de que, há 200 anos, nascia um grande escritor, precursor do romance brasileiro como o conhecemos: Antônio Gonçalves Teixeira e Sousa. Afrodescendente e contemporâneo de uma época em que se buscava uma identidade literária para o novo país independente, Teixeira e Sousa criou nosso primeiro romance: O Filho do Pescador.

Falecido aos 49 anos, em 1861, o mulato de Cabo Frio inspirou o jovem Machado de Assis, que escreveu um longo poema dedicado ao escritor que lhe ensinara o ofício de tipógrafo. Em 1855, Machado exaltou a obra lírica de Teixeira e Sousa, chamando-o de Gênio Americano. Nele, personagens populares vivem o clima tropical e o ambiente social da época, em tramas folhetinescas que inspiram os enredos das novelas televisivas até hoje.

CARREIRA – A própria vida de Teixeira e Sousa tem muito de romanesco. De origem popular (filho de um português, marceneiro construtor de barcos, e de uma negra), ficou completamente órfão na adolescência, quando se iniciou precocemente no mundo do trabalho, seguindo a profissão do pai. O contato com trabalhadores de todas as classes influenciou a obra do autor, que começou a escrever sobre o assunto aos 28 anos.

O romance inaugural de Teixeira e Sousa e da literatura nacional – O Filho do Pescador, de 1843 – envolve tipos populares, intrigas, crimes, sedução, surpresas e um desenlace que envolve o toque brasileiro da cordialidade e do perdão sob o ponto de vista católico, predominante na época, cabendo à vilã reparar seus erros internando-se num convento.

NEGRO HERÓI – O negro nobre e heróico, apesar de escravizado, aparece logo nesse primeiro romance, afirmando o que defendia Teixeira e Sousa: a igualdade entre os homens. Brancos maus e bons, negros maus e bons, os vícios sociais dominantes, o triunfo do amor num ambiente social característico do dia a dia do leitor – esta é a base da prosa romântica do autor.

O escritor, mulato e pobre, destaca em especial a figura do negro, numa crítica à escravidão: sempre há em seus enredos um escravo de grande integridade moral, dotado de atitudes heróicas – manifesto implícito do autor a favor da igualdade racial. Seria por isso que a narrativa de Teixeira e Souza desagradava os críticos literários, em plena era do “racismo científico”?

O autor ressalta em suas obras um país injusto e exalta o negro como sujeito, ser humano pleno, e não como mero objeto de trabalho – características pioneiras e altamente criticadas à época. Mesmo assim, “os homens das letras” de então concederam a ele um lugar de destaque entre os escritores do período.
A OBRA

A obra de Teixeira e Sousa envolve a produção de romances, poesia e teatro, entre 1840 e 1855, dos 28 aos 43 anos. A partir de 1855, dedica-se ao trabalho de reeditar obras.

Os romances são: “O Filho do Pescador” (1843), “As Fatalidades de Dois Jovens” (1846), “Tardes de um Pintor ou As Intrigas de um Jesuíta” (1847), “Gonzaga ou a Conjuração de Tiradentes” (1848-51), “Maria ou A Menina Roubada” (1852), “A Providência” (1854).

Em poesia, compôs “Cânticos Líricos” (1841-42), “Os Três Dias de um Noivado” (1844) e “A Independência do Brasil” (1847-55).

Em teatro, Teixeira e Sousa escreveu “Cornélia” (1840), “O Cavaleiro Teutônio ou A Freira de Marienburg” (1855), além de “As Mensagens de Amor” e “A Sorte” (1851).


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A HISTÓRIA DE TEIXEIRA E SOUSA, 

O 1º ROMANCISTA BRASILEIRO



DE "OS TRÊS DIAS DE UM NOIVADO"

 

"Se acaso te não conheces

Por formosa, ó minha amada,

Vai à beira de uma fonte,

E te verás retratada:

Quando, pelo sol corada,

A pastar por entre as flores

O teu rebanho levares;

Dirão estes lavradores:

- Ali veio quem faz formosa

A nossa aldeia ditosa!"

 

"Se acaso te não conheces

Por formoso, ó meu amado,

Vai às ribeiras do rio,

E te verás retratado:

Verás o rio apressado

Só de inveja suspirar,

E tua imagem formosa

Nas ondas querer levar:

Das raparigas na idéia

Serás o belo d´Aldeia".

 

"Eu sou em tudo ditoso

E tu linda, ó minha amada;

Tens os olhos matadores

Como a rolinha engraçada".

"É feito de lindas flores

Nosso ninho, ó meu amado,

E junto à terna rolinha

Tu pousarás descansado".

 

"Sou um pássaro que luzir

Vendo d'aurora os encantos,

Pelo prado alegremente

Solta seus festivos cantos:

Eu te adoro, ó minha amada,

Eu te amo, como a ave

Ama a luz da madrugada!
Tu és quem minha alma adora,

És minha brilhante aurora".

 

"Sou a flor, que à noite, o seio

Fecha às sombras descorada,
E que o abre a receber

O pranto da madrugada:

Eu te amo, como a flor,

Ao orvalho, que lhe presta

Mais graça, mais viço e cor:

Tu tens de meu seio, a posse,

Tu és meu orvalho doce."

 

"Como a bela laranjeira

Entre as árvores mais airosa,

Assim é entre as do campo

A minha amada formosa".

 

"Como o cedro na montanha

Entre as árvores mais airosa,

Assim é entre os do campo

O meu amado formoso".

Copiado de ANTOLOGIA DE ANTOLOGIAS: 101 poetas brasileiraos “revisitados”, por Magaly Trindade Gonçalves, Zélia Thomaz de Aquino e Zina Bellodi Silva. Prefácio de Alfredo Bosi. São Paulo: Musa Editora, 1995.


(Transcrito de Os três dias de um noivado. Rio de Janeiro. 1844, pp. 31-38 porAD, pp. 260-262.)

Um comentário:

Anônimo disse...

A editora BKCC Livros acaba de relançar o épico de 1847 de Teixeira e Sousa, 'A independência do Brasil". Trata-se de uma belíssima edição com apresentação do trineto da Princesa Isabel, Luiz Phillipe de Orleans e Bragança. Confiram a edição em https://livrariadorobertomotta.com.br/a-independencia-do-brasil--poema-epico