A reaproximação não vai encerrar o conflito entre os dois
países. O que vai mudar é o número de atores capazes de afetar o futuro de Cuba
ABRAHAM F. LOWENTHAL é integrante sênior da organização
de pesquisa Brookings Institution. Foi diretor dos programas sobre América
Latina dos centros de estudos americanos Wilson Center e Inter-American
Dialogue
Tradução de CLARA ALLAIN -www.folha.com/tendencias
Os
anúncios feitos simultaneamente pelos presidentes Raúl Castro e Barack Obama,
em 17 de dezembro, e as medidas que estão sendo adotadas pelos dois governos
refletem a decisão atrasada dos Estados Unidos de respeitar Cuba como país
soberano e o reconhecimento por parte de Cuba de que uma reaproximação
mutuamente respeitosa com os EUA é de seu interesse.
Representantes
dos dois países negociavam em segredo havia décadas, mas um dos lados sempre
recuava, ou os dois o faziam, essencialmente devido à ainda presente presunção
hegemônica de Washington e ao medo dos líderes cubanos de que uma reaproximação
pudesse ameaçar a independência do país, arduamente conquistada.
Imperativos
internacionais, de política doméstica e pessoais contribuíram para possibilitar
esse avanço agora. Mudanças demográficas, de geração e de opinião reduziram em
muito o custo que a mudança de política terá para uma administração americana.
A
insistência latino-americana de que Cuba fosse convidada a participar da Cúpula
das Américas neste ano exigiu uma decisão por parte dos EUA. Cuba está ajudando
a pôr fim à insurgência das Farc na Colômbia, e EUA e Cuba têm interesses
paralelos em resposta à deterioração da Venezuela.
Os
dois vêm cooperando na prestação de assistência humanitária no Haiti, em
resposta ao ebola, ao narcotráfico, na questão da imigração, entre outras. Há
muito Cuba deixou de apoiar insurgências armadas.
Interesses
de cidadãos e empresas americanas foram prejudicados pelo embargo. A
reaproximação sempre fez parte da agenda de Obama, e ele pode empreendê-la sem
restrições do Congresso.
No
lado cubano, o presidente Raúl Castro falou várias vezes da responsabilidade
que a "geração histórica" de líderes revolucionários cubanos tem de
conduzir o país para um caminho viável.
O
derretimento da Venezuela, a estagnação econômica de Cuba e as tentativas de
reformar sua economia geram a urgência de abrir o caminho para a ampliação dos
investimentos, da tecnologia, do turismo e do comércio. Castro entende que uma
reconciliação com Washington é mais provável durante o governo Obama que depois
dele.
O
restabelecimento das relações diplomáticas convencionais não vai encerrar o
conflito entre Cuba e EUA. Não vai criar confiança instantânea após décadas de
hostilidade generalizada nem vai mudar a forma do regime autoritário de Cuba e
de sua economia de Estado.
Castro
e seus colegas lançaram algumas reformas, mas não demonstram o desejo de ceder
poder ou abrir as portas ao livre mercado. Os EUA conservam sua ambição de
exercer influência global e regional, sua devoção às prescrições do livre
mercado e o compromisso de grande parte da sociedade americana com os direitos
civis e humanos.
O
que vai mudar é o número de atores que poderão afetar o futuro de Cuba e sua
influência. A lenta abertura da economia cubana já começou a gerar chamados
internos pela ampliação dos intercâmbios internacionais, a liberalização da
regulamentação doméstica e a reforma do regime cambial.
Essas
forças vão se multiplicar à medida que comércio, investimentos e turismo crescerem,
que as empresas e organizações civis ficarem mais ativas e as ideias passarem a
circular mais livremente. Elas vão mudar a dinâmica das relações com Cuba e
interamericanas, desde que as mudanças mútuas e fundamentais possam ser
reforçadas.