Provisoriamente não cantaremos
o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio, porque este não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.
Depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.
Carlos Drummond de Andrade
Esse
poema pertence a 2ª fase do Modernismo brasileiro (poesia), mais
especificamente da 2ª fase da poética drummoniana e está estruturado em uma
única estrofe de 11 versos sem rimas externas. Além disso, possui versos de
tamanhos variados (sílabas poéticas distintas também) e ritmo longo, tornando-o
lento, principalmente por causa do acumulo de vírgulas que dão uma ideia de
pausa.
Percebemos, ainda, a quantidade de léxicos que estão no mesmo campo semântico
dos sentimentos (“amor”, “ódio”, “medo”) que se distinguem entre si no contexto
do poema e observamos que o substantivo abstrato “medo” prevalece, pois há um
destaque maior para esse sentimento e o título apenas ratifica essa afirmação
“Congresso Internacional do Medo”. A partir desse título, verificamos que se
trata de um sentimento específico do Brasil, mas do mundo como um todo –
internacional. Logo, o medo, para o poema, é universalizado.
O medo está vigorando em vários lugares e em várias ações, por isso, não seria
conveniente tratar do “amor” ou do “ódio”, mas deve-se comentar sobre o medo,
desse sentimento que gera desequilíbrio, angústia, dúvida insegurança e serve,
paradoxalmente, como um verdadeiro pai e seguidor, devido do contexto social da
época, pois o período que o poema foi escrito tinha um pano de fundo em clima
de Guerra mundial, túmulo, morte, dor, sofrimento e muito medo. Trata-se de um
medo de tal força que esteriliza os braços (estanca a força humana), pois se
vive em um mundo que está em caos: com ditadores, soldados, mortes e esses
fatores deixam as pessoas desequilibradas e apavoradas.
Após analisarmos o poema de forma superficial, observamos também o mesmo
através de outros prismas e um deles é o sintático. Percebemos que a palavra
medo ganha destaque em todo o poema, pois quando não é objeto direto da ação
(cantaremos o medo), uma vez que ele é objeto central do tema; trata-se de um
adjunto adverbial de modo; ou seja, o modo que se encontra toda uma sociedade
que está amarela de medo; uma sociedade que precisa fazer um Congresso para
expor suas dúvidas, seus medos de estarem no mundo e, através de uma constante
reflexão, há a busca de resolver esse problema para evitar a dominação total
desse medo ou a fuga através da morte. Além disso, há uma constante repetição
do artigo definido /o/ e ele, na maioria das vezes, acompanha o substantivo
abstrato de maior importância dentro desse poema. O artigo definido, portanto,
define e objetiva o nosso corpus de trabalho (“o medo dos soldados, o medo das
mães, o medo das igrejas”).
Outro prisma que foi abordado foi o estilístico e nele percebemos que o poema
possui algumas figuras de linguagem: uma é a personificação dos substantivos
abstratos (principalmente o medo); outra seria o uso constante de
repetições para chamar atenção do leitor, pois o medo , como se sabe, é uma
constante na vida do homem em meados dos anos 40 e transforma essa vida em um
verdadeiro caos que é constante, tais quais essas repetições. Além disso, há os
recursos sonoros, pois apesar de não haver rimas externas no poema, há rimas
internas e a predominância é de encontrarmos aliterações, pois a repetição
sonora da vogal “o” é bem visível (“existe apenas o medo, nosso pai e nosso
companheiro,”).
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Conclusão
Por se tratar de um poema crítico - reflexivo da segunda fase drummoniana,
percebemos, por fim, que através de uma linguagem simples e de usos constante
de repetições, pode provocar no leitor uma reflexão profunda, pois o medo
torna-se tão poderoso que chega a ser agressivo. Então, através do poema,
chegamos a uma conclusão que Drummond busca sérias transformações sociais e
políticas para evitar que o negativo contexto vivido, principalmente, na
Segunda Guerra Mundial não se torne uma continuação para os anos seguintes a
ponto de nos deixar amarelos e inseguros de medo, como o poema aborda.
por Veridiana
Rocha