Sim, ela ja existiu,
chamava-se Gurgel. Vejamos como foi sua origem:
Desde os anos 20, a
importação de automóveis era uma rotina bastante conhecida. A Ford Motors
Company tinha iniciado a montagem de seus Ford “T”, em São Paulo, em 1919. A
General Motors Company fez o mesmo a partir de 1925, com o Chevrolet “Cabeça de
Cavalo”. Carro Nacional nessa época, nem
mesmo em sonhos.
A partir de 1946, a
montagem dos carros importados retomou sua rotina, mas alguma coisa havia
mudado. A necessidade de improvisar peças de reposição durante o período da guerra
fez com que surgisse uma incipiente indústria de autopeças, o que encorajou
aqueles que pretendiam construir o automóvel brasileiro.
 |
BR-800 fabricado pela Gurgel
|
A Gurgel foi fundada
em 1 de setembro de 1969 pelo falecido engenheiro mecânico e eletricista João
Augusto Conrado do Amaral Gurgel, que sempre sonhava com o carro genuinamente
brasileiro. Entretanto a indústria teve um fim em setembro de 1996.
Não existe uma
indústria automobilística com matriz brasileira que forme um enorme centro de
planejamento, pesquisa e projeto, cheio de engenheiros cumprindo uma ordem:
pesquisem as necessidades e gostos dos brasileiros e projetem automóveis sob
medida para eles.
Tudo seria muito
diferente no Brasil com uma Samba Motores.
Incluindo as
exportações. Principalmente as exportações. Porque em um dado momento, com a
necessidade de aumentar a escala da produção, os dirigentes da Samba Motores
certamente enviariam uma nova ordem aos seus engenheiros: agora pesquisem as
necessidades e gostos dos argentinos. Vamos lançar por lá o Tango em três
versões. E logo os navios roll-on-roll-off começariam a sair carregados para
Buenos Aires.
Depois dos hermanos,
por que não o consumidor dos EUA? Da península Ibérica? Da Rússia? Da própria
Europa automobilística (Alemanha, França, Itália, Inglaterra)?
Pesquisando e
produzindo automóveis que só ela projetou, focando as necessidades de cada
mercado no exterior, a Samba Motores seria dona de seu nariz e teria um enorme
ímpeto exportador.
Afinal, se o
consumidor internacional se encantou pelo Porto Belo, pelo Itapoã, pelo
Vitória, o que a Volkswagen pode fazer? Ou a Fiat? Ou a Ford? O conceito é
nosso, a marca é nossa, a mística é nossa. Quem quiser ter um deles na garagem,
vai ter de pagar à Samba Motores.
A fábrica da VW no
Brasil (ou da Fiat, Ford, Renault etc.) não tem como missão conquistar a todo
custo os mercados externos. Ela é apenas uma peça da imensa estrutura
internacional que obedece aos interesses e necessidades da matriz na Alemanha.
Deve abastecer o mercado local com projetos de fora e, quando muito, exportar
para a América do Sul.
Você acredita que,
se algum engenheiro da VW Brasil criar uma super inovação de projeto, essa
inovação gerará modelos brasileiros ultracompetitivos que desbancarão a
produção da fábrica alemã da VW ou de outras fábricas VW ao redor do mundo? Nem
em sonho, não é?
Não adianta termos
montes de fábricas montadas no Brasil: só com uma Samba Motores poderíamos ser
um verdadeiro exportador de automóveis.
E quem diz automóveis,
diz qualquer produto industrial. Telefones celulares. Alimentos de todo tipo.
Importamos da Itália
caixas com uma massa endurecida de farinha de trigo e água (Barilla, Divella).
Por que a Itália não importa do Brasil caixas com pães de queijo congelados,
potes de geleia de jabuticaba, rolhas de paçoca de amendoim?
Nada disso é sonho.
Tudo o que eu disse em relação à imaginária Samba Motores é real no mais
inusitado dos produtos industriais: aviões.
A Samba Motores não
existe (e deveria existir, dado que nenhum país sem fábrica própria de
automóveis possui o corpo de engenheiros automobilísticos ultra formados que o
Brasil tem). Mas a Embraer existe. E faz exatamente o que a Samba deveria
fazer, projetando produtos inovadores e ultra competitivos focados para
exportação, que avançam nos mercados mais ricos e exigentes.
Da próxima vez que
você ler ou ouvir que “a indústria brasileira não exporta”, pense na única
resposta real a esse problema: não existe indústria brasileira.
Esse é o problema
central.
por Igor Guedes