"Pacifista
e humanista", ela é a favor da desmilitarização e a modernização da
Polícia Militar Ao EL PAÍS, fala sobre o desafio de combater a "cultura da
violência à mulher" num país machista
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Márcia
de Alencar, secretária de Segurança Pública e da Paz Social do
Distrito
Federa l.MARIANA
COSTA/SSP-DF
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Há pouco mais de um mês o presidente
interino da República, Michel
Temer, convocou uma reunião para anunciar medidas de combate à
violência contra a mulher. O encontro foi uma resposta à onda de manifestações pelo Brasil em repúdio ao estupro coletivo de uma adolescente no Rio de Janeiro. Mas
chamou a atenção o fato de, entre os 27 secretários de Segurança Pública do
país (convocados para o encontro), apenas um
ser mulher: Márcia de Alencar Araújo, à frente da pasta no Distrito
Federal desde janeiro deste ano.
Num ambiente
reunido para pensar em soluções para proteger as mulheres, ficou evidente a
baixa representação feminina neste meio, o que foi criticado por especialistas
em segurança. Afinal, como um grupo quase exclusivamente masculino poderia
pensar em ações de interesse feminino? Naquele mesmo dia, Márcia foi escolhida
para integrar o núcleo de combate
à violência de gêneroanunciado pelo Ministério da Justiça.
Acostumada a ser minoria, a secretária do DF não crê, porém, que trata-se de
uma tarefa impossível. O desafio é outro: desconstruir a "cultura de
violência à mulher" (termo que prefere usar, no lugar de cultura do estupro) em uma sociedade cujas
instituições são, em sua maioria, machistas.
"Sentar
na cadeira de secretária de Segurança de um Estado também é enfrentar uma
violência institucional pela condição de ser mulher", afirmou, em
entrevista ao EL PAÍS, algumas semanas depois da reunião com o Governo interino.
Durante uma hora e meia de entrevista por telefone, respondeu às perguntas
sobre temas relacionados à segurança pública, sempre de maneira pausada,
segura, embora, às vezes, um pouco prolixa. A seguir, algumas dessas opiniões:
Única mulher no cargo
"Sinto-me muito respeitada pelos meus colegas e pelos
meus pares que também têm um assento horizontal ao que eu ocupo hoje. No
entanto, quando passamos a falar da dinâmica das relações institucionais e da
forma como alguns grupos corporativos e alguns grupos de policiais se referem,
às vezes, à minha condição, eu percebo de modo muito claro a reprodução da
violência contra a mulher, do modelo patriarcal, da forma como é tratado o
elemento feminino neste ambiente. Eu percebo que há uma ilusão por eu ter as minhas
características humanistas e de pacifista de que eu não tenha capacidade de
comando e domínio sobre o processo. Por quê? Porque eu sou mulher."
Desmilitarização da Polícia
Militar
"O cidadão ainda tem a polícia como um rescaldo da
ditadura ou do militarismo em si. E essa polícia, mesmo tendo se esforçado a se
mostrar cidadã, não conseguiu estabelece uma relação suficientemente positiva.
Nós temos nessa tradição um esgotamento. Esse padrão que reproduzimos desde a
retomada da democracia foi necessário como modelo de transição. Mas qualquer
sistema de gestão que não esteja conectado a esse novo tempo não responde mais
à missão institucional que se pretende. E, no caso da polícia, isso é muito
sério. Primeiro porque o custo social é a violência potencializada. E o custo
econômico das polícias é fruto do esforço da sociedade que paga com seus
esforços e que, portanto, tem que ter uma instituição forte sim, mas com um
modelo de gestão eficiente e eficaz. E mais que isso, penso que as polícias
querem demonstrar sua humanidade. Elas se prepararam para os protocolos do
século 21, e elas estão prontas pra responder. Elas seriam muito valorizadas e
queridas se tivessem uma forma de gestão que permitisse esse fluxo de relação
continua com o cidadão."
Cultura do Estupro
"Eu prefiro chamar de cultura de violência à mulher,
porque ela se manifesta de várias formas e o estupro é uma delas. Mas há também
a cultura do feminicídio, da misoginia... [...] Eu concordo com os
especialistas que não é simples, que é complexo. O que eu discordo é que não é
possível. Temos que começar. [...] E Brasília teve, aí sim, o privilégio
de se conectar com muita agilidade, de construir a Delegacia da Mulher um
modelo que serviu de referência para todos os lugares do Brasil. E agora nós
vamos implantar em todas as delegacias, independentemente das especializadas,
um núcleo de atendimento à mulher, com oitiva feita por mulheres, com um
ambiente completamente climatizado para a lógica feminina de acolhimento...
Acabamos de inaugurar um espaço como esse na 31ª DP em Planaltina."(...)
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