Meu
caro.
O selo inglês é só passar a língua nele e logo gruda. Aliás, a única coisa que funciona mal aqui em Londres, pelo que vi, são os relógios públicos: cada um marca uma hora diferente, e tem até os que não marcam hora nenhuma. A proverbial pontualidade britânica é uma pilhéria: ou então cada um é pontual, mas dentro do seu próprio horário, e todos os horários são válidos. Meu pobre relógio brasileiro já ficou maluco.
O
londrino, tirante os teenagers, que não tem graça nenhuma, é em geral
engraçadíssimo. Apieda-se pelo fato de você não ter agasalho próprio para o
frio glacial que está fazendo. Perto dos franceses, são educadíssimos (o que
não é nenhuma vantagem), mas também ignoram a sua existência, a menos que você
se ponha a gritar no meio da rua Help! Help! – o que estou sempre fazendo. As
mulheres são bonitas, surpreendentemente bonitas, mas todas iguais; já os
homens não me agradam, e espero que eu lhes agrade ainda muito menos. Até os
cachorros fumam cachimbo e trazem o olhar perdido no horizonte; educadíssimos:
ainda não vi um cachorro sequer olhando para um poste.
Londres,
pode escrever, é a cidade mais limpa do mundo: até os lixeiros aqui são
impecavelmente limpos. Se você joga um pedaço de papel na rua, logo vem o
guarda e o admoesta num perfeito inglês de Oxford; depois vêm os repórteres de
tudo quanto é jornal e da televisão para entrevistá-lo e saber a que tribo
selvagem você pertence; e depois finalmente vem o exército da salvação e se põe
a entoar cânticos pela redenção de sua alma. Antes de sair de casa já cuspo 20
vezes seguida por medida de precaução – e se me acontece ficar com um pedaço de
papel na mão em plena rua, entro simplesmente na primeira agência do correio e
despacho-o para uma das ilhas Malvinas, com o selo da rainha e tudo. As casas,
aqui, de tão limpas parecem até feitas de porcelana: não sei se o mesmo
acontecerá no sonho ou nos bairros ainda mais pobres: suponho que não. A
verdade é que não existe a menor relação entre o mendigo londrino e um mendigo
digamos do Rio de Janeiro; o mendigo aí londrino passaria por lorde e seria
recebido com um five o’ clock tea pela academia brasileira de letras: muito
mais justo, aliás, do que muitos outros chás de que já tenho ouvido falar.
Comprar
cigarros em Londres é um drama: você tem que ir à Escócia. Tem casa de tudo
aqui perto do meu hotel, até de incenso indiano ou de figas da Guiné: só não
tem tabacaria. Parece que o puritanismo inglês se fixou todo no combate ao fumo
e ao tabagismo, e até já me explicaram algo parecido com isso; os poucos cigarros
que lhe vendem são todos fraquíssimos e é preciso você fumar o maço inteiro,
inclusive o próprio maço, para ter a leve sensação de que algum dia alguém
passou fumando por você. O que salvam os mendigos londrinos são os turistas,
sobretudo norte-americanos, que sempre jogam disfarçadamente uma guimba ou
outra no meio-fio, longe dos olhares inquisidores e cobiçosos do guarda na
esquina. Dizem que o fog londrino desapareceu de uns tempos pra cá, por motivos
meteorológicos e outros que ninguém sabe ainda explicar: a verdade verdadeira é
que o que desapareceu mesmo foi a fumaça dos cigarros e dos charutos, a minha
inclusive, para total desespero dos cancerologistas ingleses do pulmão.
O
londrino tem em média dois metros de altura, do que resultam sérios problemas
para quem, como eu, tem pouco mais da metade: isto porque as coisas aqui foram
feitas para ele e não para mim, evidentemente. Assim por exemplo, para apertar
o botão do elevador tenho que me colocar na ponta dos pés e depois de alguns
minutos pedir o auxílio de alguém por perto, alegando naturalmente que pertenço
à troupe de anões do circo. Os mictórios públicos batem exatamente na altura do
meu queixo e assim acabo urinando é mesmo no chão, onde pelo visto já andaram
urinando antes de mim outros brasileiros, ou pelo menos algum cearense. Uma
mulher londrina dá para dois homens brasileiros tranquilamente e ainda sobra um
pouquinho para o dia seguinte: mas nem por isso deixam de ser lindas, assim
como é lindo o Everest. Agora é que eu compreendo por que o inglês (a inglesa)
tem fama de ser uma criatura distante, quase inacessível.
O abraço do
O abraço do
Campos
de Carvalho