27 de dez. de 2016
26 de dez. de 2016
MEDO É PURA HISTORIA
Lenio Streck:
“Bem, parece que, em tempos de “guerra contra a
corrupção”,
a noção constitucional do papel do MP tem perdido cada vez mais seu
significado.
Procuradores e promotores justiceiros querem combater a corrupção
corrompendo a Constituição”:
Boaventura
"a luta democrática será considerada uma luta
revolucionária;
a luta por Direitos será considerada uma luta subversiva".
25 de dez. de 2016
Um fabuloso ninho de víboras
![]() |
|Hélio Bernardo Lopes| |
Objetivamente, a dita democracia
norte-americana quase nada tem de democrática, nem mesmo de Estado de Direito.
Basta olhar o modo como Barack Obama, usando os meios do Estado, passeou pelos
Estados Unidos a apoiar Hillary Clinton. Ou o deitar mão da recontagem de votos
em certos Estados, acabando a mesma por confirmar a vitória de Trump, ou mesmo
aumentar os seus votos aí. Ou a utilização da CIA para tentar condicionar o
grau de liberdade política de Donald Trump no futuro, inventando a fabulosa
mentira dos hackers ao serviço de Vladimir Putin. De facto, os Estados Unidos
nada têm de Estado de Direito Democrático, sendo, muito acima de tudo, uma
plutocracia.
Tal como há dias referiu John Bolton, a
suposta intervenção da Rússia no sistema eleitoral americano, através de
ataques de hackers, pode ter sido uma provocação dos próprios serviços de
inteligência dos EUA. Esta, em boa verdade, nem a mim mesmo ocorreu, usando
aqui certa piada em tempos contada no Instituto Superior Técnico sobre o
ilustre Professor António da Silveira.
Este ninho de víboras que é a vida política
norte-americana permite que as nossas televisões diariamente nos surjam com o
choradinho de Aleppo, ao mesmo tempo que nada dizem sobre os bombardeamentos da
Arábia Saudita no Iémen, com centenas de mortos e milhares de feridos. Até
Paulo Dentinho, na tarde do juramento de António Guterres na ONU, se referiu ao
facto de apenas se falar da Síria e de Aleppo, mas nada se dizer do que depois
Guterres viria a referir: hoje, não há paz no mundo.
A tudo isto, soma-se agora o treino que a
Alemanha vai passar a dar a oficiais sauditas. Diz-se que a cinco ou seis por
ano. Nem entre nós se refere que o regresso dos terroristas do Estado Islâmico
a Palmira teve o apoio dos Estados Unidos em termos de fornecer o
posicionamento das tropas sírias naquele momento. E não deixa de ser
verdadeiramente espetacular que, há breves momentos, na mesa em que escrevo
este texto, uma amiga e um amigo, com posições políticas de Direita, tenham
dado gargalhadas com os documentários que vão sendo passados – e montados pelo
Ocidente – ao redor de crianças queixosas e espevitadas, ou de supostos aflitos
de Aleppo!! É um tema em que se impõe um mínimo de tato, porque todos sabem que
nas guerras existem e atuam serviços de propaganda. É uma prática que revela um
grande amadorismo e que explica a razão dos resultados eleitorais mais recentes
em todo o mundo. Todos de há muito perceberam a mentira posta em andamento.
Um dado é certo: o que se vem passando nos
Estados Unidos desde a vitória de Donald Trump, de pareceria com a política
belicista de Barack Obama – também já foi a de Hillary – mostra bem o fabuloso
ninho de víboras que é a vida política dos Estados Unidos. Aliás, a própria
sociedade norte-americana, por via da sua formação histórica, foi sempre uma
sociedade violenta, onde a regra do salva-te como puderes comandou toda a vida
do país.
Adriana Calcanhotto - Traduzir-Se ( De Ferreira Gular) Musica Fagner
Uma
parte de mim
é todo
mundo:
outra
parte é ninguém:
fundo
sem fundo.
Uma
parte de mim
é
multidão:
outra
parte estranheza
e
solidão.
Uma
parte de mim
pesa,
pondera:
outra
parte
delira.
Uma
parte de mim
almoça
e janta:
outra
parte
se
espanta.
Uma
parte de mim
é
permanente:
outra
parte
se sabe
de repente.
Uma
parte de mim
é só
vertigem:
outra
parte,
linguagem.
Traduzir
uma parte
na
outra parte
— que é
uma questão
de vida
ou morte —
será
arte?
O sensacionista - Fernando Pessoa
Neste
crepúsculo das disciplinas, em que as crenças morrem e os cultos se cobrem de
pó, as nossas sensações são a única realidade que nos resta. O único escrúpulo
que preocupe, a única ciência que satisfaça são os da sensação.
Um
decorativismo interior acentua-se-me como o modo superior e esclarecido de dar
um destino à nossa vida. Pudesse a minha vida ser vivida em panos de arras do
espírito e eu não teria abismos que lamentar.
Pertenço a
uma geração — ou antes a uma parte de geração — que perdeu todo o respeito pelo
passado e toda a crença ou esperança no futuro. Vivemos por isso do presente
com a gana e a fome de quem não tem outra casa. E, como é nas nossas sensações,
e sobretudo nos nossos sonhos, sensações inúteis apenas, que encontramos um
presente, que não lembra nem o passado nem o futuro, sorrimos à nossa vida
interior e desinteressamo-nos com uma sonolência altiva da realidade
quantitativa das coisas.
Não somos
talvez muito diferentes daqueles que, pela vida, só pensam em divertir-se. Mas
o sol da nossa preocupação egoísta está no ocaso, e é em cores de crepúsculo e
contradição que o nosso hedonismo se arrefecei.
Convalescemos.
Em geral somos criaturas que não aprendemos nenhuma arte ou ofício, nem sequer
o de gozar a vida. Estranhos a convívios demorados, aborrecemo-nos em geral dos
maiores amigos, depois de estarmos com eles meia hora; só ansiamos por os ver
quando pensamos em vê-los, e as melhores horas em que os acompanhamos são
aquelas em que apenas sonhamos que estamos com eles. Não sei se isto indica
pouca amizade. Porventura não indica. O que é certo é que as coisas que mais
amamos, ou julgamos amar, só têm o seu pleno valor real quando simplesmente
sonhadas.
Não
gostamos de espetáculos. Desprezamos atores e dançarmos. Todo o espetáculo é a
imitação degradada do que havia apenas de sonhar-se.
Indiferentes
— não de origem, mas por uma educação dos sentimentos que várias experiências
dolorosas em geral nos obrigam a fazer — à opinião dos outros, sempre corteses
para com eles, e gostando deles mesmo, através de uma indiferença interessada,
porque toda a gente é interessante e convertível em sonho, em outras pessoas,
passamos sem habilidade para amar, antecansam-nos aquelas palavras que seria
preciso dizer para se tornar amado. De resto, qual de nós quer ser amado? O “on
le fatigait en l’aimant” de René não é o nosso rótulo justo. A própria ideia de
sermos amados nos fatiga, nos fatiga até ao alarme.
A minha
vida é uma febre perpétua, uma sede sempre renovada. A vida real apoquenta-me
como um dia de calor. Há uma certa baixeza no modo como apoquenta.
O Livro do Desassossego - Fernando pessoa. - Ateus.net
RECEITA DE ANO NOVO
Para você ganhar
belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já
vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às
carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se
nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer
outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
Carlos Drummond de Andrade , "Receita de Ano Novo".
Editora Record. 2008.
23 de dez. de 2016
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